In her family, de Pat Metheny, lançada em 1987, no álbum Still Life (Talking).

Eu já funcionava, mas não o sol. E apesar de tão cedo, fazia muito sentido estarmos ali. Eram cinco da manhã enquanto esperávamos para vê-lo nascer sobre uma das obras mais célebres do mundo, um símbolo de poder e do amor. Mas havia a névoa. E ela nos chegava aos narizes, como se nos avisasse “Não se animem!”

Acabáramos de realizar a proeza, a crueldade de acordarmos às quatro e meia da madrugada para aguardarmos a abertura dos portões do jardim do Taj Mahal, numa fila de perder o rabo de vista. Fila indiana, com parte da multidão que diariamente visita o lugar – cerca de 40 mil turistas -, todos na mesma espera. Embora ansiosos, aparentavam-se enfadonhos. Ou sonolentos, quem sabe. Eu, por exemplo, refletia: “É só ter calma que passa.”

O momento da verdade chegara, afinal, quando passava pouco das seis e abriram-se os portões. Sentíamos frio. E por razões de sobrevivência, também o corpo tremer. Caminhamos com celeridade desnecessária, embora aceitável, pois no fim das contas, o esperado encontro com o túmulo é ainda mais fabuloso sob os primeiros raios da manhã.

Adentramos o imenso jardim enevoado até chegarmos ao Charbagh[1], o grandioso portal de entrada com uma vista inspiradora para o mausoléu. A visita poderia terminar ali e já teria valido. E nem precisa aquele o sol nascer tão caprichosamente, vazando certeiro por uma das janelas do arco. Justamente ali começava o primeiro truque que arquitetos e artesãos do Taj Mahal usaram para arrebatar olhares, tocar corações, marcar mentes: quando o observador se aproxima do portão, o arco emoldura o Taj ao fundo, contudo, o monumento parece incrivelmente próximo e grande, mas bastam poucos passos em sua direção para que diminua seu tamanho, ilusão exatamente oposta à que se espera.

Assim que cruzamos o portal, o Taj apareceu envolto numa névoa tão espessa que embaçava a visão até ao nível do chão. E o tornava um pavão, nada misterioso, mas uma intencional obra com pompa e ostentação, num símbolo maior da glória, da riqueza e esplendor do império mogol. Um luxo impensável para um túmulo, mas uma obra que tornou-se maravilha do mundo. Conta a história do amor do príncipe Shah Jahan pela princesa Mumtaz Mahal. E encanta. Há séculos. E a tantos outros visitantes, poetas, seresteiros, namorados, escritores e fotógrafos que parece fazer a todos acreditarem que amor, amor mesmo, só aquele. E quanto mais o olharmos, mais perfeito nos parecerá.

Um belo caminho central, cercado por gramados e uma linha de pinheiros cipriotas em ambos os lados, conduz à plataforma elevada e retangular, em cujo topo fica o mausoléu circular. Uma série de fontes de água encantadoras torna a caminhada até a entrada do mausoléu uma experiência memorável.
Distante dele percebe-se uma nova ilusão: embora os minaretes ao redor da tumba pareçam perfeitamente verticais, inclinam-se para fora, de tal modo que proporcionam um certo desconforto visual em relação ao equilíbrio estético. Mas a função proporciona aos pilares a capacidade de tombarem para o lado oposto ao do mausoléu, desintegrando-se sem prejuízo à cripta na eventualidade de um terremoto. Dentro dele, os túmulos de Mumtaz Mahal e Shahjahan, cercados – ou protegidos – por paredes esculpidas em puro mármore branco, artisticamente incrustadas com pedras preciosas, e inscrições do Alcorão nas paredes laterais, dão o toque religioso ao mausoléu.

É fácil entender o porquê de sua magnitude e riqueza: havia tanto dinheiro quanto amor e dor pela perda, condições para a reunião de safiras, ametistas, jades, ágatas, turquezas e lápis-lazulis vindas do Iêmen, do Afeganistão, da China, da Pérsia e do Ceilão, para serem incrustradas em mármore makrana branco extraído no Rajastão. Imaculadamente branco, diga-se. Pedras que através de um trabalho denominado pietra dura[1] revestem todo o mausoléu, num resultado magnífico, especialmente belo se observado à luz do sol nascente. Quando a névoa deixa, claro.

Xá Jahan, o imperador que apaixonou-se à primeira vista por sua futura esposa – Mumtaz Mahal -, e pela qual alimentou um amor obsessivo, perdeu-a aos 38 anos, quando deu à luz seu 14º filho depois de 19 anos de vida conjugal. A história desse amor ,depois da morte de Mumtaz, teve um final trágico: o filho de Shah Jahan – Aurangzeb -, farto dos desvarios do pai, que quase levaram o império à falência, tomou-lhe o trono, o poder e o aprisionou no Forte de Agra, onde permaneceu os últimos 8 anos de sua vida confinado num cômodo com vista para o mausoléu.

A história tornou-se piegas, mas ainda toca. Talvez não tanto quanto a simetria e a qualidade do desenho, quanto os conceitos e o partido arquitetônicos, características que a consagraram como epítome da arquitetura mogol, bem mais que sua função, embora na Índia tantas outras existam com a mesma marca da cultura indo-islâmica.
Então, toda sua histórica vem transcendendo dinastias, indivíduos, poderes e domínios, e quer queiram, quer não, permanecendo tanto uma ode ao amor quanto “Um sonho em mármore, desenhado por fadas e acabado por joalheiros.”[1]

[1] Rabindranath Tagore, conhecido como Gurudev, foi um poeta, romancista, músico e dramaturgo bengali do final do século XIX e início do século XX, que assim definiu o Taj Mahal.
[1] Pietra dura ou pietre dure, chamada de parchin kari no sul da Ásia, é uma técnica de incrustação utilizando pedras coloridas, muito polidas, cortadas em formatos específicos e encaixadas para formar imagens. É considerada uma arte decorativa.
[1] Charbagh (chahār bāgh) é a denominação que se dá ao jardim em estilo persa, cujo layout tem quatro lados didividos por caminhos e por canais de água. Em persa “Chār” significa ‘quatro’ e “bāgh“, ‘jardim’.