
Fosse outro, talvez eu nem falasse, mas se tem uma coisa que eu não aconselho é ignorar um pôr do sol. Seja qual for. Um daqueles, então, de uma surrealidade real, seria um desperdício dos melhores. Como se não bastasse, depois abriu-se um céu de estrelas cintilantes. Do lado de fora, estava eu confortavelmente instalado na cadeira da varanda com os pés ‘pra cima, um olho no céu e outro ao redor. Leio uma placa: “Atenção: Zona de vida selvagem. Caminhe ou corra por sua própria conta e risco”. A mente me dizia “seja forte, fique”, mas não, não fui. Cedi ao medo. Resolvi entrar e me preparar para dormir. E foi até coisa bem expressa, de adormecer logo.

De madrugada acordei com rugidos de leões, com uivos de hienas, sons de cascos de zebras e o estímulo de pensamentos lógicos: “atrás de uma zebra vem sempre um leão; e deste, uma hiena”. Ouvi meu coração acelerando, parte excitação, parte preocupação. Resolvi parar o mundo com uma borracha de ouvido. E deu certo: acordei com a luz do astro rei invadindo a tenda. Levantei-me sem abrir a porta da cabana e avistei uma paisagem com as cores de uma paleta perfeita. O cheiro também, era de manhã. Quero dizer, ali é de perceber que difere da tarde e da noite.
O Masai Mara lá embaixo estava estonteante, mas convidava ao banho, ao desjejum e ao safari, em vez da contemplação desde cima, senão para ser vivido e experimentado. A natureza daquele ângulo parecia mais fluida, não forjada pela intervenção humana e com toda a sua impiedosa realidade tocando mesmo os mais duros corações de pedra. Não dava para deixar de pensar no besta privilégio que era estar ali àquela hora.
Olhei para cima também. Avistei um céu de brigadeiro, copas de árvores ao redor, passarinhos fazendo delas seu play ground e cada qual dizendo suas coisas. Que eu não compreendia, claro, porque não falo passarinhês, mas que era bonito, era. A vista era dramática e o ambiente que entrava pelos olhos também ia à mente, invadia o quarto, o mundo, a galáxia.
Até ali, aquele lodge fora o lugar onde dormimos mais impregnados de natureza, mais proximamente rodeados por ela, fazendo sentir sem parar a experiência de mato, numa das menores densidades turísticas e de veículos, devido ao volume gerenciado e aos rígidos planos de uso do solo.
Tudo parecia normal. E estava. Correndo a seu ritmo, diferenciado, segundo cada animal, pássaro, inseto ou réptil que o habita. Todos em suas rotinas diárias, fazendo seu duro trabalho, porque a vida de nenhum não é nada fácil na savana. De escaravelhos de esterco rolando bolas de cocô de elefante – coisa que até então eu só vira no Animal Planet – a antílopes graciosamente abanando seus rabinhos de olhos e ouvidos bem abertos, porque desde que nascem sabem: são os nuggets da selva. E de topis – o antílope pra lá de estranho, cabeça alongada, dorso caído feito de hiena, chifres anelados e em forma de “L”. E gazelas de Thompson, outro aperitivo de leão. E javalis, e impalas, famílias numerosas de elefantes guiados por suas matriarcas, de gnus, zebras, girafas e búfalos a leões, guepardos, leopardos, hienas, chacais e kudus. Certamente esqueci de algum.
Chuveiro rápido e me preparo para o dia. E enquanto aguardo a esposa terminar o seu, caído de amores pelo lodge, por ela, pela vida e pelo safari, sento-me na varanda sentindo a brisa acariciar a pele com olhar perdido no hipnótico horizonte. Saboreio o momento exemplar da natureza e da minha vida de viajante, mas sinto mais é a avidez por sair logo para a aventura do dia. Talvez eu até passasse um dia inteiro ali vivendo daquela natureza, especialmente elegante. Mas a viagem não era de esperas que pareciam alongar a brevidade.
Posso parecer romântico, mas só quem sentiu aquilo sabe o que foi. Depois, enquanto tomávamos nosso café da manhã, perguntei aos outros se ouviram leões e hienas. De quase todos, sim. Depois do café, logo às caras da porta do lodge, o safari no Masai Mara, mais que a busca de animais, uma verdadeira fantasia africana das savanas, onde não há caminhos a evitar, coordenada de GPS a não seguir ou trilhas a fugir em busca nada mais nada menos, que dos “Cinco Grandes da África”: o rinoceronte negro, o búfalo, o elefante, o leopardo e, finalmente, o leão. Mas foram mais, bem mais. Te conto e mostro daqui a pouco, no próximo capítulo.
OBRIGADO!
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A seguir – Um dia de ver todos os animais