Quênia e Tanzânia – dia de estrada, tarde de safari

Piano Sonata – Mozart

As Reservas dos Lagos Nakuru e Naivasha

O cheiro inesquecível da savana me desperta. Adormeci bem, sem tormento ou contratempo, sem sonhos a me perturbarem. Noite passada lenta e sem ruídos e, ao despertar, um novo homem se levanta crendo não haver forma melhor de amanhecer numa viagem tão intensa.

Então, Bom dia! Ensolarado e com novos destinos e expectativas. O Sol mal despontara e nós já estávamos a caminho do desjejum.

Adeus Samburu, e obrigado por nos proporcionar uma introdução impecável às savanas do Quênia, uma natureza onde o homem é secundário, senão os animais protagonistas, apesar de alguns não terem feito questão de aparecer. E a paisagem era de dominar os olhos e ouvidos.

Para alguns, também, alojou-se nos corações e mentes aquele lugar dos mais isolados, onde turistas há, mas não muitos, tanto que bastam uns quilômetros adentro das reservas para pensarmos que ela nos é exclusiva.

A “família” pouco a pouco vai se juntando com sorrisos e cumprimentos. Viagens têm seus efeitos, sobretudo quando para lugares onde se encontram costumes, regras, culturas e sociedades tão diferentes das nossas. Entre as mais notáveis, conhecer pessoas, que embora permaneçam por lá onde as encontramos, quando retornamos, por vezes nos acompanham para o resto da vida.

Eu refletia que nunca havia experimentado encontrar gente tão bacana de meu próprio país numa viagem em grupo. Sorte a minha. Todos chegam às 7:30, hora marcada, com o dia já a pleno Sol. Os dias em safaris começam cedo, com despertar às seis da manhã e saída uma hora e pouco mais depois.

– Jambo, diz Oburu em swahili, com seu vozeirão de radialista, tamanho de Schwarzenegger, sorriso extenso como o Quênia. Fica ali de pé, com as mãos sobre os quadris, dentes à mostra e faz sinal de “V” enquanto me aproximo. Depois, me estende a mão. O olhar não é novo, de todos os dias, embora naquela manhã tenha me parecido ainda mais acolhedor.

– Jambo, retribuo. Estamos prontos, dear friend!

Jipes estacionados defronte ao lodge, logo carregaram-se com nossa bagagem, água e petiscos. Nos metemos neles, também. E seguimos. Comigo, nenhum receio do que encontrar nos Lagos Nakuru e Naivasha, pois a viagem vinha crescendo em realidade e superando expectativas.

Depois de dois dias fabulosos em Samburu e Buffalo Springs, com avistamento de zebras, elefantes, girafas, leoas, javalis africanos, impalas, pássaros, partimos para novos destinos, que antes foram-nos apresentados por Márcio no briefing da noite anterior:

O Lago Nakuru abriga enorme população de flamingos, mas também das girafas Rothschild, de rinocerontes pretos e brancos, bem como de búfalos e diversos outros animais. No caminho, faremos uma parada para conhecer a cachoeira de Nyahururu e, no final da tarde, já no destino, faremos um safari em Nakuru até o pôr do Sol, que lá promete!  Em seguida, faremos nosso check-in no Lake Nakuru Lodge. Ah, o almoço será um “Lunch Box”.

“Puxa! Rinocerontes brancos e negros!”, penso eu no privilégio de avistar aqueles raros animais. Não era pouco o que nos esperava. O Parque Nacional Nakuru, mais famoso pelas colônias de flamingos habitando as margens do lago, é um dos três mais visitados do Quênia, reconhecido como excepcional centro de observação de aves – mais de 400 espécies -, entre elas a águia africana, para além de habitat de leões, impalas e muitos outros animais. 400 espécies!

Dali ao destino, 310 km de frutas e legumes à beira da estrada, de plantios organizados, de savanas, lugarejos, vilas e cidades. Saímos pelo Arche’s Gate, aquele da Elsa, e logo tomamos a rodovia A2, a Nyeri – Nanyuki Road.  

Para além das enormes possibilidades de um safari _____________

O itinerário não era apenas o deslocamento, uma viagem longa de carro, senão também observar e me tocar com pequenas cabanas sem eletricidade, água corrente e saneamento, crianças descalças carregando reservatórios de água, a difícil vida diária das pessoas no Quênia. Sobretudo porque aparentemente encontraram seu modo de felicidade com tão pouco, apesar da luta pela sobrevivência ser, às vezes, comparável às dos animais da savana. Provavelmente, para mim, seria este – ao fim da jornada de 2.000 quilômetros pelos dois países – o maior legado que me deixariam, um benefício adicional da viagem, além dos prazeres dos safaris.

Seu impacto se estendia muito além das belíssimas paisagens, dos encontros com os animais. E as reflexões pessoais, que mexiam comigo durante nossa estada, pareciam favorecer o crescimento pessoal, a sedimentação de valores e a avaliação do quanto certas viagens podem fazer por nós. A reflexão levou-me às palavras de John Steinbeck, o escritor americano: “As pessoas não fazem as viagens, as viagens é que fazem as pessoas.”

O lago Nakuru ______________________________________

A próxima morada, por duas noites, será no Lake Nakuru Lodge. Paramos na altura de Nanyuk para uma vista do Monte Quênia, bem distante e parcialmente encoberto por nuvens. Depois, na cachoeira Nyahururu e, no fim da tarde, um safari de fim de tarde já no caminho do lodge, ao redor do lago com milhares de flamingos e pelicanos, além de uma surpreendente fauna dos animais típicos das savanas do Quênia. Trata-se de uma das melhores reservas para observarmos os rinocerontes negros e brancos, além de manadas de búfalos, felinos, grande variedade de aves e muito mais.

Fizemos um stop no Mountain View Curio Shop, em Nanyuk, a 112 quilômetros, para café e banheiros. Algumas fotos e vida que segue.  No quilômetro 138 entramos na Rodovia 85, em Naromoru, e paramos na Equator Curio Shop, a 220 quilômetros, para café, banheiros e comprinhas. Até a Thompson Falls, em Nyahururu, aos 235 quilômetros, estacionamos no Thomsons Falls Lodge, para comer nossos lunch boxes sentados numa mesa no jardim.

Em seguida fomos conhecer a cachoeira. Não eram as “sete quedas” , mas o lugar, interessante e um bom relaxamento antes de prosseguirmos a viagem. Eu e a maioria avistamos do mirante e três ou quatro desceram com uma guia até a base da queda d’água, que tem cerca de 72 m, com água do rio Ewaso Narok, que vem do extremo norte da cordilheira de Aberdare. Da borda do desfiladeiro havia algumas áreas de observação, onde paramos. Também havia dois ou três habitantes locais vestidos com roupas de tribos que insistentemente nos abordavam para uma fotografia deles, por um valor caro que negociado caia à metade. Eles não nos deixavam em paz e perseguiam.

Almoçamos e seguimos para o Lake Nakuru National Park. Restavam, então, apenas 76,1 km, via C83, até o Lake Nakuru Lodge, dentro do pequeno parque. O safari seria no caminho do acesso ao parque até a hospedagem. A tarde ia em meio quando chegamos ao Lanet Gate.

Dali ao lodge seriam mais 15 quilômetros de safari, quase sempre às margens do lago. Entramos e os primeiros animais avistados foram as zebras. Depois babuínos, búfalos e cervos, além dos macacos vervet azuis e antílopes Waterbuck, animais grandes e robustos com orelhas arredondadas, manchas brancas acima dos olhos, nariz, boca e garganta. Os machos têm chifres anelados que podem medir até 100 centímetros de comprimento. Um belo e não muito comum animal.

Um safari moderno começa entrando num jipe, de manhã bem cedo e ao fim da tarde, fotografando e observando os animais, voltando ao lodge para o desjejum às nove, descansando o resto da manhã e parte da tarde para aproveitar a piscina, massagem, uma boa refeição. Às 16 h, o safari noturno começa e vai até o começo da noite. Depois de três dias nisso, voa-se para casa. Nada contra. Fiz dois e gostei muito. Mas o nosso foram dez dias “fora do caminho batido”, das oito da manhã às cinco da tarde e por tudo o que há de melhor no Quênia e Tanzânia.

Lake Nakuru Lodge – Um pôr do Sol para não esquecer ______________

A luz que brilha ali parece mais clara, maior. E o céu, de ver estrelas, constelações inteiras. O Animal Planet desfilava à minha frente, na linha do horizonte de nossa varanda. Numa trilha, em fila indiana, uma manada de búfalos seguia, com adultos e jovens, consagrando-se numa das típicas e mais belas paisagens que a África me proporcionou nesta viagem.

Trouxe muitas destas comigo de volta à casa – na memória e na câmera -, mas nenhuma de superar a majestosa beleza do pôr do sol no Lago Nakuru.

________________

A seguir

As águias pescadoras do Lago Naivasha e um Safari a pé na Crescent Island.

Quênia e Tanzânia –  Sobre homens e animais  

A Map of the World – Pat Metheny

A visita à aldeia Samburu e a exploração da reserva Buffalo Springs

Elas estavam ali, logo atrás da cortina que escondia a grande varanda. Faziam uma algazarra dos deuses, típica das andorinhas. Um estardalhaço. A sinfonia dos animados passarinhos acordou-me pouco antes do despertador. E lembro-me bem da escuridão no quarto, do momento em que o Sol ainda não despontou, mas já se anuncia. Minha visão levou segundos para adaptar-se à ínfima luz que passava por uma fresta. Eu percebia a tênue e morna claridade tentando entrar no quarto. E eu ainda não avistava, mas podia sentir a natureza selvagem da reserva Buffalo Springs. Pujante, absoluta, potente, nua e crua. Não sei dizer se eram meus olhos, se outros o sentiam, mas as cores da savana pareciam mais exuberantes, o céu mais azul, embora nem tanto o verde, que por aqui andava seco de dar dó.

Levantei-me. Não com a presteza que me caracteriza, mas com cautela. E como uma hiena solitária, decidida, mas sorrateira, com cuidado para não tropeçar no ambiente desconhecido, cheguei à presa, a porta da varanda. Pole pole!, como dizem em swahili – devagar, devagar! Assim entrou a paisagem no quarto e em mim, mas junto com ela um frio de bater no peito, como todas as manhãs experimentei naquele lado do mundo.

Embrulhei-me com a cortina e observei a paisagem apenas o rosto em exposição. A savana estava ali, embora não tão bela quanto ao calor do dia raiado, embora tudo o que eu visse fosse bonito. O alvorecer se anunciava com toda a sua beleza e magnitude, pureza e encantamento, proporcionava sensações, mexia com sentimentos. Mas eu não poderia apreciá-lo: não havia tempo a perder com contemplações. Nossos horários eram rígidos e meu senso de pontualidade logo levou-me ao banheiro.

Era nosso segundo dia de safari, embora nossa estreia não tenha sido assim um “dia de safari”, senão o da chegada à Reserva Samburu vindos de Nairobi, seguindo o caminho em seuterritório em direção ao nosso lodge, na vizinha Buffalo Springs, quase à margem do rio Ewaso Ngiro. Que lugar e que chegada!

O turismo, a grande oportunidade

Nossa manhã começou cedo, bem cedo, como de costume. Às sete e meia já estávamos dentro de nossos jipes levantando poeira a caminho de uma aldeia do povo Samburu, visita que daria um significado todo especial, humano, àquela viagem quase toda dedicada ao encontro com os animais selvagens e a natureza das savanas, das magníficas reservas do Quênia e da Tanzânia.

Lembrem-se de usarem máscaras, nos relembrou Márcio. São para preservar os samburu, não a nós. Daquele modo estaríamos ajudando a manter vivos os séculos de cultura de um povo guerreiro por história e pecuarista por tradição. Seminômades, alimentam-se de leite e de sangue das vacas no dia a dia, mais carne, embora ocasionalmente, e de legumes e tubérculos. São “primos” dos  Maasai, pois têm a mesma origem, mais ao Norte do continente, para os lados do Egito e Sudão e às margens do Nilo. Embora carreguem traços comuns, inclusive o idioma, têm lá suas diferenças.

Entramos num mundo quase de fantasia, que muitos surpreendem-se ainda existir de gente que custamos a crer conseguirem sobreviver em condições tão adversas e com tão pouco.  Vivem em pequenas aldeias de chão de terra, em simplíssimas casas de tijolos e ainda mais primitivas de barro. O chefe da tribo, fluente em inglês, nos recebe e coordena a visita à tribo e nos explica que ao final poderemos comprar o artesanato feito exclusivamente pelas mulheres. Nos mostraram como fazem fogo, alguns costumes, suas moradias e um grupo de crianças da escolinha local.

Doa-se dinheiro em espécie para a tribo e não há mesmo outro jeito de sobreviverem, sobretudo na época da seca, do que sem a ajuda do turismo. Sinto uma sensação de conforto em poder contribuir com a aldeia e reforço meu sentimento de um pouco de humanidade à nossa visita, algo que eu não imaginava experimentar antes da viagem, porque eu fora ali com uma ideia de que veríamos algo que o turismo subtraiu em originalidade.

O turismo é uma via de mão dupla, pode arrasar a personalidade e originalidade de lugares e culturas – com o de massa e o predatório – mas também favorecer a manutenção de povos e de animais, neste caso, com o turismo responsável e sustentável. seja pelas ações de doações de visitantes.

Seguimos nossa tarde de visita à reserva de Buffalo Springs, até chegarmos ao Uaso Bridge Gate, ou Portão da Ponte Uaso, ornado com uma bela pintura de pele de girafa e relativamente próximo ao Samburu Simba Lodge, onde nos hospedamos. Aproveitamos a não desperdiçável oportunidade de uso dos banheiros, ainda que tão precários. Revejo a placa homenageando a leoa Elsa, vista antes no outro acesso, o Arche’s Gate, observei os curiosos e interessantes ninhos presos ao teto do portão, de passarinhos que pareciam graciosas, animadas e barulhentas andorinhas.

Àquela altura eu ainda não sabia, mas aquele lugar seria marcante, dominaria meu pensamento toda vez que eu me lembrasse do Quênia. A partir dali, precisamente, estaria comigo para sempre, não só por todo aquele dia, por toda a vida. No meu imaginário não poderia supor que aquela experiência que ali começava, com nossa tão aguardada aventura de observação da vida selvagem, seria também uma jornada emocional. Claro que sobretudo pelo destino, pelas experiências, pelo aprendizado, mas muito também pelo grupo de pessoas que se integraram, se divertiram e tornaram tudo mais brilhante. Alternávamos os jipes todos os dias e os passageiros, o que possibilitou o aperfeiçoamento da integração, já que não se daria apenas nas refeições.

Passadas poucas horas depois da visita à aldeia samburu eu não imaginara presenciar tantos animais. As reservas são relativamente pequenas e pouco conhecidas, embora com abundância de vida selvagem e mas a pouca frequência humana possibilitam experiências muito mais exclusivas do que aquelas experimentadas nos grandes parques como Masai Mara e Serengueti ou Ngorongoro, o que torna ambas as reservas reconhecidas como entre os melhores safáris no norte do Quênia.

Avistamos zebras de grevy, girafas reticuladas, gazelas, antílopes, avestruzes somali, elefantes, entre outros animais.

Próximo capítulo – Lagos Nakutu e Naivasha

Quênia e Tanzânia – De Nairobi ao Samburu

Love May Take Awhile, de Pat Metheny – Álbum From This Place

Longe, tão longe e distante _____________________________________

Pela janela do quarto avisto prédios e um céu azul tão brilhante quanto minha vontade de descer. Chegara, finalmente, o primeiro dia de viagem para as reservas, a etapa inaugural da jornada pelo Quênia e Tanzânia, de pegar estradas para um outro mundo, o das savanas e dos safaris. A manhã era calma e reluzente e, ao descer, noto que todos já estavam a postos em pontualidade britânica, prontos para entrarem a bordo de seus jipes na hora determinada por Marcio, nosso guia*, como ocorreu dali até o derradeiro dia da longa viagem.

Três jipes, doze brasileiros, dezessete dias, 2000 quilômetros, uma expedição de observação ao sabor da natureza selvagem, de filmagem e fotografia a bordo de Toyotas Land Cruiser. Os objetivos: a Grande Migração de animais no Serengeti, as Reservas Maasai Mara, a Cratera de Ngorongoro, as reservas de Samburu e Buffalo, o Lake Naivasha e o Lake Nakuru, além dos povos Maasai e Samburu.

Jambo!, disse Kaled, um dos motoristas ao encontrar-me no lobby do Pride Inn Azzure.

– Jambo!, retribuí com a mesma simpatia.

Assim, às 8 horas de uma manhã fresca, partimos com um único pensamento: o encontro com animais selvagens naquele mesmo dia, ao fim da tarde. A expectativa era grande, embora o receio de que ela não correspondesse à realidade fosse esperado, afinal, um safari não é uma visita a um museu, senão uma viagem ao imponderável, ao inesperado, no qual pode haver um abismo entre a expectativa do observador e a realidade da savana. Os animais não estão preocupados em serem vistos – ao contrário -, são tesouros escondidos focados em suas lutas diárias pela sobrevivência. Contudo, era promissor o dia e não havia por que não esperar por uma jornada terminada com grande satisfação pessoal.

A primeira rodovia que tomamos foi a Meru-Nairobi Highway e, pouco depois, já na A2, uma das novas chinese nighways, que passa por Kibirigwi, fizemos uma parada, a 120 km da partida, na Africana Curio Shop onde havia um providencial e inesperado café espresso tanzaniano, além de uma enorme loja abarrotada de souvenires. E wash rooms. Com água! O lugar era concorrido e diversos outros jipes com turistas estrangeiros estavam por ali com o mesmo objetivo.

Interessei-me pelos animais esculpidos em madeira, especialmente os de ébano. Madeira bonita, escura, pesada, resistente, das árvores encontradas principalmente na África.

Cuidado, gente! O que eles chamam de “ébano” pode ser madeira comum, pintada de preto, nos alerta Marcio. Da que comprei, só saberei com o tempo…

O destino agora era Nanyuki, com parada no Cedar Mall para comermos no surpreendente fast food Java House, para uma passada numa farmácia e visitas aos bons banheiros. Com água e sabão líquido. Nos divertirmos na mesa em que nos sentamos todos, consolidando a simpatia coletiva do grupo.

Comemos bem e seguimos estrada afora passando por Isiolo, sem pararmos, mas uma cidade tipicamente africana desta parte do continente mostrada às janelas, movimentada e com todo o tipo de comércio à beira da rodovia. Ali vi os primeiros tuk-tuks da viagem e lembrei-me dos que andei na Índia e na Tailândia, embora os daqui sejam mais arrumadinhos, ainda que levem além de pessoas, cabritos e outros animais domésticos.

Em pouco tempo estávamos com a savana à beira e lembro-me bem de que muitas vezes passávamos e as crianças sempre nos acenavam e sorriam. Eram acontecimentos banais, que se repetiam até tornarem-se costumeiros, contudo, sendo estes que, muitas vezes, transformam-se em momentos únicos. No caminho, à altura de Naro Moru, passamos pelo Monte Quênia, que embora encoberto parcialmente por nuvens, nos fez parar à beira da estrada para fotos. E uma sempre bem-vinda esticada nas pernas.

Dali foi um pulo até o Archer’s Gate, aquele da Elsa, um dos dois acessos ao Samburu National Reserve.

Samburu National Reserve – Um dia para não esquecer

Os três Toyota Land Cruiser 4X4 estacionaram assim que adentraram o parque. E nós, empolgados com o começo do safari de sonho, aproveitamos o tempo para idas aos banheiros, enquanto os motoristas davam curso na guarda do parque aos procedimentos burocráticos.

Começávamos de maneira brilhante a nossa aventura pelo Quênia ao fim da tarde daquele dia. Eram as primeiras duas, não as mais conhecidas, senão as reservas mais fora do caminho batido de toda a nossa aventura: Samburu e Buffalo Springs. A natural excitação era compreensível. Afinal, para a maioria de nós ali, um safari era uma viagem, única na vida, com um esplendor épico de vida selvagem. Para além dos animais, num local com histórias inspiradoras de conservação da comunidade do povo samburu e da vida selvagem.

As montanhas vulcânicas fazem pano de fundo no cenário de savanas entremeadas pelo granito de afloramentos rochosos e belíssimas acácias altas. Esguias, elegantes, de copas planas, são entre os símbolos mais icônicos, singelos, mas belos, que há por ali. São árvores guarda-chuvas, na forma e nos efeitos, pois protegem como sombrinhas os animais e, das chuvas, os que se abrigam bob elas e nos seus galhos. Atravessando a paisagem, o rio Ewaso Nyiro – terceiro mais extenso do país – em cujas margens abriga-se um oásis verde de grandes palmeiras-doum – ou gingerbread tree – cujos troncos se abrem em muitos. E uma vegetação mais baixa, alinhada com as beiras dos meandros do rio. O cenário é tão pitoresco que às vezes parece um exagero sugerido nas páginas da National Geographic ou do estado de espírito de quem o descreve. Desvia-se a atenção das árvores e encontram-se quase todos os animais que se imagine possa haver na África.

Ambas as reservas são um refúgio vital para a vida selvagem variada, contudo, particularmente de cinco animais especiais do norte: a zebra cinzenta, o avestruz somali de pescoço azul, a girafa reticulada, o curioso antílope gerenuk e o oryx de beisa. Para além de manadas de elefantes, de felinos em grupo ou solitários, de outros animais que somam-se às 450 espécies de aves catalogadas. Enfim, um grande lugar para começarmos nossos tão esperados dias de ação.

Apesar de sua diversidade, Samburu é um desafio para alcançar, devido à distância e às opções de parques e reservas mais conhecidas para quem tem menos tempo e disposição aos sacrifícios. Livre de multidões, sentimo-nos num lugar exclusivo – ao contrário do Mara e do Serengueti onde, por vezes, há mais jipes estacionados do que animais sendo observados.  concorrerá os encontros entre outros inúmeros jipes.

O lodge onde nos hospedaríamos seria o Samburu Simba, localizado no interior da reserva de Buffalo Springs, cuja bela vista para o rio, rodeado de natureza e com boas instalações, convertera-se num dos melhores alojamentos entre todos que ficamos. Para além das instalações, um pessoal prestativo e atencioso, uma comida boa servida numa grande mesa reservada e bem montada para nós, que acomodava a todos tinha toalhas vermelhas e velas acesas. Uma boa loja de suvenires e vistas espantosas completava com dignidade a boa hospedagem.

Assim que retornamos aos jipes, depois der irmos aos wash rooms sem água, começávamos nosso primeiro safari, no caminho por dentro da reserva até o lodge.  Seriam cerca de 25 km através das estradas de chão, cruzando, ao fim, a divisa entre as reservas Samburu e Buffalo Springs, o rio Ewaso Nyiro.

No três, ok? Um, dois, três…já!

O teto do jipe elevou-se com nossa ajuda ao motorista e, depois de acionada a trava de segurança, ganhamos um belvedere, o mirante móvel que fez a paisagem entrar no jipe, embora não a luz, contudo sim muita poeira. Tanta que entrava nos olhos, na garganta e, quem sabe, até mais adentro.

De olhos pregados às janelas e narizes colados aos vidros, sentimos o vento com a velocidade do jipe atenuar o calor. O filme de ação que trouxéramos na mente não começara, talvez, para alguns, apenas um pouco da beleza e romantismo de Out of Africa. Não se vislumbrava qualquer sinal de animal ou de civilização, senão um cenário ressequido pontuado por arbustos, que à minha ideia correspondia ao que eu trouxera na memória. Encerramos as intermináveis conversas da viagem para nos concentrarmos nas bonitas imagens da planície seca, cujas expectativas de encontro com os animais eram promissoras.

Os jipes percorriam os caminhos de terra e comunicavam-se entre si por seus rádios. Por vezes perturbavam bastante, devido à altura do som, ao ponto de, por vezes, ser necessário pedirmos aos motoristas para reduzirem o volume. As cores eram bem definidas e deixavam incrivelmente mais atraente a savana. Embora eu ainda não a avistasse, pensava sentir o cheiro de vida selvagem. Talvez estivesse ansioso demais e, ao dar-me conta disso, procurei controlar-me. Nada mais adequado do que receber naturalmente o que a África tem a entregar, por si, inesperadamente e ao seu tempo e jeito, do que o contrário.

O primeiro animal avistado foi um impala. Como em todas as vezes em que participei de safaris na África do Sul e na Namíbia. Eram de uma manada da espécie entre as mais comuns de antílopes africanos. Tensos e alertas, prontos para correrem ao menor sinal de perigo, são sempre graciosos e elegantes com seus chifres alongados. Cheiram o ar, abanam os rabos, olham e escutam com atenção tentando captar algum movimento ou odor suspeito, um predador. Ainda que não sejam os bichos mais cobiçados num safári, os antílopes atraem os felinos. Aquele primeiro encontro foi tão excitante parecíamos presenciar uma chita em plena caça.

Quase tudo o que a savana nos mostrava era explicado, e bem, pelos motoristas. A vida selvagem, a vegetação, as peculiaridades de cada lugar. Alguns com mais entusiasmo que outro, mas todos muito bem-intencionados.

São as Gazelas de Granti, informou nosso driver. Os “McDonald’s” da selva, petiscos preferidos entre todas as espécies de grandes felinos, concluiu e deu partida no motor.

Seguimos as estradas com os jipes levantando poeira e logo adiante avistamos um bando de lindas e saudáveis girafas. Lindas. Degustamos com os jipes parados o delicioso momento. De súbito o silêncio entre nós é interrompido por um alerta pelo rádio, dado pelo condutor de um dos jipes:

Haraka haraka!, disse Oburo, repetindo o que ouvira do outro motorista. Algo como “corre, corre!”, em swahili. “Elefantes mais à frente, nos avisou Wiki!”, completou, girando o motor e partindo. Sacolejando, passamos defronte a um grupo de agitados, ariscos warthogs, o javali africano, com seu rabinho apontando para o céu, até chegarmos ao lugar indicado.

A manada de dez elefantes de todos os tamanhos cruzava nosso caminho, bem pertinho de nós. O encontro foi encantador, sereno como o passo daqueles animais, apesar de os maiores terrestres do mundo. O momento foi solenemente admirado, como se àqueles animais rendêssemos nossas homenagens e agradecimentos pelo desfile de tanta formosura. Embelezados pela luz do quase poente, quando tudo fica mais quente e fotografável, seguiram seu rumo até o horizonte para depois os encontrarmos novamente já próximos ao lodge.

Continuamos e avistamos um jipe de outra expedição estacionado com seus passageiros de pé olhando na mesma direção. Nos aproximamos e presenciamos duas leoas deitadas bem próximas à estrada. Que visão maravilhosa! Eram os dois troféus para aquele dia que poderia terminar ali, ao menos para mim, com a sensação de plenitude da satisfação. Majestosas, saudáveis, bonitas, quase imóveis, ignoravam-nos solenemente enquanto observávamos sua respiração ofegante. Exercitamos a arte da paciência, algo que um safarista deve compreender como fundamental numa aventura do gênero. Perceber que um safari não é apenas a observação, fotografia e filmagem de animais, também observar seu comportamento e identificar seus costumes na natureza.

As leoas levantaram-se e placidamente caminharam para desaparecerem entre os arbustos próximos. Na Reserva Nacional de Samburu elas levam vidas quase solitárias. Consta que o leão africano desapareceu de 94% de sua área original, por diversos motivos, o que tornava aquelas duas fêmeas um prêmio inesperado ao fim do dia.

A tarde caía, a noite se anunciava e o lodge nos esperava em Buffalo Springs. Ou melhor, nós ansiávamos muito por ele. Atravessamos uma pequena ponte sobre o rio Ewaso Ngiro quando cruzamos com um enorme bando de barulhentos babuínos. Mais adiante, na margem de um de seus meandros, estacionamos para apreciar o primeiro pôr do Sol africano e alguns marabus. O rio fluia através de bosques das palmeiras duplas e de densas florestas ribeirinhas, apoiando uma população significativa de crocodilos e hipopótamos do Nilo, que no entanto não avistamos, pois àquela altura, no fundo do leito estava praticamente seco, repleto de pássaros em busca de alimentos e refresco no singelo filete de água. O astro rei pô-se no horizente às 18:45, momento em que minutos depois religaram-se os motores e seguimos para o lodge.

O Samburo Simba Lodge – Longe, distante, ermo

Uns oito empregados esperavam enfileirados os novos hóspedes descerem dos jipes.  Pegaram nossas malas e as agruparam esperando que as identificássemos para levá-las às habitações. Depois do check-in, ouvimos a gerente da Recepção passar o briefing do lodge ao grupo.

Fechem as janelas e portas. Cuidado com os babuínos, disse ela, a parte que me recordo da extensa lista de horários e funcionamento do lugar.

Superar expectativas é sempre positivo, e com a hospedagem não foi o contrário. A habitação era espaçosa, com cama king size, banheiro confortável, chuveiro mediano e ótima vista da varanda. Não havia tempo a perder: era preciso tomar banho, trocar de roupa e sentar à mesa à hora marcada para o jantar. A noite ali foi agradável, tanto pela refeição quanto pelo compartilhamento numa só mesa com todos e boas conversamos, pelo vinho mediano bem sorvido e pelo cansaço que me fez dormir o sono justo de um safarista entusiasmado. Agora era tempo de recuperar-me.

Eu estava pronto para ouvir o silêncio lá de fora.

____________________

Até o próximo capítulo: “Um dia inteiro de safari em Samburu e Buffalo Springs

* Nota: Márcio Lisa, da Photo Safari Expedições, criou, desenvolveu e nos acompanhou durante a jornada. https://photosafari.com.br/

Assista ao vídeo deste post

Quênia e Tanzânia – Samburu, A chegada!

The Bat, de Pat Metheny Group. Álbum Offramp – Grammy de 1982

A História de Elsa

Uma placa entalhada em madeira, um nome feminino em destaque. Pregada a uma parede do Archer’s post gate – um dos portais da reserva, ornado à pele de zebra – chamou-me a atenção. Dizia: “Em memória de Elsa, que ajudou a salvaguardar esta reserva de caça”.

Mais do que atrair, a placa levou-me anos atrás no tempo, com a surpresa do inesperado. Embora nenhuma outra referência houvesse, imaginei tratar-se da jovem leoa, cria órfã adotada como animal de estimação pelo guarda florestal George Adamson e sua esposa Joy, ativistas africanos da vida selvagem e conservacionistas nos anos 50. Não podia haver outra Elsa. Tem que ser esta!, pensei entre surpreso e encantado com o “encontro”.

Eu estava na casa de Elsa, da leoa que fez grande história no Quênia, na África e no mundo. Contada num livro que vendeu 5 milhões de exemplares, e mais tarde no filme Born Free – ou A História de Elsa – conta a vida da leoa criada como membro da família, que se recusou a mandá-la a um zoológico, destino de suas duas irmãs, ao resgatá-la de uma leoa recém abatida. Ainda que um animal de estimação, criaram-na para sobreviver na natureza.

“Nascida livre, tão livre como o vento sopra, tão livre como a grama cresce, livre para seguir seu coração” dizia a letra da bonita canção tema de Elsa no filme, cuja trilha sonora foi composta por John Barry. Vencedor de um Óscar, em 1966, época de minha adolescência, o filme ajudou a consolidar de vez meu desejo de conhecer esta parte da África. Era admirável que Elsa ainda estivesse tão fresca em minha memória, que tão inesperada quanto surpreendentemente tivéssemos nos “encontrado” ali…

Quando Elsa tornou-se adulta, os Adamson perceberam que chegara a hora devolvê-la à liberdade, esperando que pudesse sobreviver por sua conta. Tempos depois, a encontram e foram surpreendidos com um acolhimento muito especial. Meu Deus, quantas lembranças me voltaram da mente e, discretamente, me emocionaram.

Uma outra placa, ao lado da de Elsa, homenageia a leoa Kamunyak, que adotou um bezerro de oryx. Pronto! A apresentação da reserva Samburu estava feita, e de modo inesperado e romântico.  

A história inspirou milhares de pessoas a se engajarem na causa da preservação da vida selvagem e pensar que eu estava no território de Elsa foi uma auspiciosa introdução ao Samburu National Park. Hoje, anos depois de Elsa, a presença de leões continua a ser notável na reserva e eu estava certo de que o adoraria.

Para mim, fora uma estupenda graça. E livre, tão livre como o vento sopra, retornei ao tempo presente, com o Quênia vivo nos olhos e os ouvidos despertos por alguém me dizendo discretamente ao pé do ouvido:

Não há água nos banheiros!

A seguir: De Nairobi ao Samburu – Longe, tão longe e distante

Quênia e Tanzânia – Hakuna Matata!

Nairóbi, o começo ________________________________

Waltz For Ruth, de Pat Metheny, álbum Beyond the Missouri Sky (Short Stories), com Charlie Haden

Sei lá por que motivo eles nascem com dentes tão brancos que parecem saídos de uma seção de clareamento. Assim era Vincent – o elegante e simpático queniano que nos recebeu no aeroporto de Nairobi.

– Jambo!, disse ele em swahili e sem economizar sorrisos. Parecia orgulhar-se deles. E nem na simpatia se conteve. Este sentimento de afinidade mágico, que atrai e identifica as pessoas imediatamente, é uma sensação espontânea que levou-me a estabelecer uma certa harmonia com ele. Longe de criar laços de amizade, mas boa, que se repetiria em novos encontros na Capital e no meio da viagem. Logo ali estabeleceu-se o tom do que seria – ainda sem sabermos – a nossa relação com os demais quenianos e tanzanianos que encontraríamos ao longo de toda a jornada.

 Passava das duas da manhã quando pisamos no chão do país das Acácias. Do dia seguinte que saí de casa, às 3 da tarde! O cheiro e a temperatura na madrugada eram frescos, como se o ar da savana estivesse às portas do aeroporto. Embora o avançado da hora, não foi a alegria de em pouco tempo estar com chave do quarto do hotel o que me dominava, senão um grande alívio: ver nossa bagagem alojada e intacta nos três jipes. “Alojada”, aqui, é um eufemismo para atulhada.

No quarto do hotel, a expectativa parecia não me deixar pregar olho, a despeito de poucas horas faltarem para o Sol vir do Japão e nascer na África. Contudo, o tempo de olhos cerrados tentando atrair o sono não foi morto nem perdido, pois deitado no travesseiro do quarto escurecido, ocorreu-me editar na memória as primeiras palavras deste post. Palavras e frases. Também é nessas horas cinzentas que algumas inspirações me ocorrem, transformam pensamentos em escritas criativas. E como sempre, pensadas nos leitores caprichosos que um dia as lerão com cuidado, alguns até com o mesmo que dispensei a elas. As imagino, mas não as escrevo, imerso no meu universo de curtas sentenças e poucas palavras, dado à minha falta de erudição acerca do Quênia e da Tanzânia, por suposto. Foram bem cuidadas, contudo. Um caminho que julgo indispensável para não escrever besteiras. E foi com elas que o sono me pegou.

Logo partiríamos rumo às reservas de Samburu e Buffalo Springs, sete horas de viagem de Nairobi ao destino, 304 km metidos num jipe, sem conforto, mas carregando um grupo que conectara-se tão bem desde o primeiro instante que tudo converteu-se em satisfação. Com paradas pelo meio para comida e outras necessidades, os doze brasileiros de São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas Gerais, Pará, Distrito Federal e Rio de Janeiro, liderados pelo paulistano Marcio Lisa – às nove da manhã, respeitando o briefing, reuniu-se no desjejum à espera da hora de sairmos para resolvermos questões práticas, como troca de moeda, compra de petiscos para a viagem, garrafas de vinho sul-africano e coisas pessoais de cada um. Dormimos mais uma noite, entramos no fuso horário e a partir da manhã seguinte entramos em nossos três Land Cruisers, veículos que por 16 dias seriam nossos cárceres privados. A capital foi abandonada para seguirmos o roteiro em direção ao norte do país.

Os carros, 4×4, estilo safári, onipresentes na África subsaariana, têm três sequências de bancos, teto retrátil, cooler e um garrafão de água mineral com bomba para enchermos nossas garrafinhas. Alternávamos entre nós os lugares, e embora neste trecho a maioria das estradas fossem de asfalto, para mim, a sensação logo convertera-se em desconforto, um anúncio do que seriam os próximos dias percorrendo os parques nacionais e estaduais durante os game rides. Conduzidos pelos melhores motoristas que poderíamos esperar: Wiki, Kaled e Oburu. E ainda não sabíamos o quanto conheciam da fauna e flora de cada um dos parques e reservas por onde passaríamos. Em resumo, a viagem prometia!

Dois mil quilômetros ao todo, muita aventura por um oceano sem limites de pradarias nesse microcosmo da África. Preocupação nenhuma, a não ser o foco no dia, porque há muito o que saborear entre experiências e encontros. Chances de algo dar errado sempre há, nos advertiu o guia. “Como em qualquer viagem, mas nada com que devamos nos preocupar”, concluiu. “Uma atolada aqui, outra ali”, Márcio ia relembrando-se de perrengues passados e nos preparando para o futuro.

A expedição pelo Quênia e Tanzânia partiu então da capital em direção às Reservas de Buffalo e de Samburu, num sábado ensolarado, rumo ao estado de Laikipia, no planalto central do Quênia, cuja paisagem do percurso ia de paisagens de cerrado a pequenos vilarejos com barracas de legumes, frutas e verduras à beira, animais domésticos, gado e gente à beira. Era o país nos sendo apresentado às janelas.

 Chegamos ao Samburu após percorremos alguns poucos quilômetros de estrada de chão batido e poeirento já dentro do parque, até desembarcarmos no simpático Simba Lodge. Tudo o que queríamos era descanso, um banho renovador e uma cama cujo conforto certamente seria uma abundância comparada à dos jipes.

Voltarei para contar.

Mambo jambo!

Clique nas imagens para abrí-las

Quênia e Tanzânia – De volta à África

Fotos Márcio Lisa – https://marciolisa.com/

INTRODUÇÃO

O que têm a ver Henry Mancini, John Wayne, Bert Kaempfert e um hi-fi a válvula com um safári na África? Bem, pelo menos para mim, tudo! Corria o ano de 1962 quando eu era um moleque e nada marcou tanto minha vida àquela altura quanto o filme Hatari! – uma comédia dramática rodada na África pelo diretor Howard Hawks, um notável filme de ação entre as savanas recheadas de animais, ao som de uma espetacular trilha sonora de Henry Mancini. Quem não se lembra do tema O Passo do Elefantinho (Baby Elephant Walk)?

Hatari”, em swahili, significa “perigo”. E perigoso era o trabalho do personagem de John Wayne em busca da captura de animais para mandá-los a zoológicos de todo o mundo. Nada mais politicamente incorreto hoje mas, tinha a Elsa Martinelli…

Então, eis que surgem Bert Kaempfert e Henry Mancini na minha vida. Meu pai era um aficionado por música e, no começo dos anos 60, possuia o que era a última palavra tecnológica em termos de equipamento de som: um amplificador monaural – a válvulas! – e um toca-disco inglês que tinha uma inacreditável agulha de diamante. Tudo montado em um armário tipo cômoda, bem típico daquela época, que ocupava um belo lugar de destaque na sala de visitas. Pois bem. Aos 10 anos de idade eu ficava ali, sentado no chão e com o ouvido bem perto de uma enorme caixa de som que tinha a minha altura, ouvindo jazz e clássicos. Foi quando fui arrebatado, pela segunda vez depois de Hatari!, pelo LP Afrikaan Beat, de Bert Kaempfert. Eu me lembrava de cada cena do filme, numa atmosfera auto-hipnotizante, enquanto a música rodava no prato do toca-discos Garrard. Assim fui apresentado à África e desde então jamais deixei de desejá-la. 

Foi apenas em Março de 2007 que consegui realizar o desejo de ir à África para um safari fotográfico. Mas essa e outra história. A que quero contar agora é de meu retorno à savana africana para avistarmos os big five.

DE VOLTA À ÁFRICA

Todos sabem a importância que dou quando regresso à casa. Mas, depois de uma viagem, ando uns dias sem viajar e pronto, parece que a vida fica insossa. E quase sempre é do mesmo jeito: os dias que antecedem uma nova jornada têm uma certa aura de festa. Ou, como num sonho frequente, quase diário, voltam a inspirar-me os destinos da nova partida.

Mal acabáramos de chegar da Jordânia e Istambul – minha preferida, um dos lugares mágicos que estou sempre a repetir, e se todos temos nossos lugares, Istambul é o meu. Em minha cabeça estava fresca a cidade. Fazia um mês em que estivéramos lá, mas também era o tempo que nos separava da próxima viagem: um Overland pelo Quênia e Tanzânia.

Sei lá o que me alimenta essa fome, mas me apraz senti-la e mais saciá-la. Contudo, não vou me alongar – seja no sentido literal ou poético – a explicar a voracidade. É só mesmo uma ligeireza da minha parte contigo, caro leitor, leitora, ao mencionar que uma viagem é sempre um prazer, embora também tudo o que cabe entre elas o seja. Acho que é o que chamam de ‘pragmatismo poético’ essa minha espécie de jeito de ser. Ou, como a própria vida, as coisas vão se tornando tão mais valiosas e intensas quanto menos tempo nos sobra.

Recordo-me de quando eu era jovem e achava que o tempo era infinito, não fosse ele, de fato, tão efêmero quanto agora o percebo. Tudo isso torna tão ambicioso qualquer planinho meu que converte-se numa empolgação contá-lo, provavelmente porque estou a descontar os instantes perdidos na pandemia, com a imposição do isolamento, da solidão, da falta de abraços e de encontros, de viagens e liberdade. Era tão bom ir vivendo as obrigações da vida e estar vivo que nem nos dávamos conta dessa beleza. Mas foram os limões que a vida nos dá. Alguns fizemos limonada com eles.  

VAMOS DE JIPE!

Três jipes, doze brasileiros, dezessete dias, 2000 quilômetros, uma expedição de observação ao sabor da natureza selvagem, de filmagem e fotografia a bordo de Toyotas Land Cruiser. Os objetivos, a Grande Migração de animais no Serengeti, as Reservas Maasai Mara, a Cratera de Ngorongoro, as reservas de Samburu e Buffalo, o Lake Naivasha e o Lake Nakuru, além dos povos Maasai e Samburu, acompanhados pelo guia e fotógrafo Marcio Lisa – e com nada de melhor poderíamos contar! – durante toda a viagem que começará e terminará em Nairobi, Capital do Quênia. E como a perfeição é a meta, além disso estarei com minha querida, animada, perfeita companheira de aventuras e de vida.

Embora hoje os safaris sejam coisa sem vestígios do charme de Hatari ou de Robert Redford com Meryl Streep, em Out of África, ainda são muito, muito atraentes, surpreendentes, cativantes e encantadores. Paga-se uma boa grana, é verdade, para participar de uma odisseia turística-comercial com um grupo de gente bacana, um pessoal que gosta de bichos e se reúne por horas num jipe, seus cárceres privados por quinze dias. E nem sempre para ver todos os animais que esperava. E, certamente, em alguns locais, mais jipes do que leões, leopardos e chitas. Além do fato de que em algumas dormem-se umas noites em barracas de lona montadas no meio da savana, às vezes com banho externo em chuveiro-balde, cuja água fumegante fora aquecida numa fogueira, contudo em banheiros adequados às mínimas necessidades e tudo muitas vezes iluminados por luzes de parafina, porque não pense que eletricidade há por ali em todo canto. Ao menos não as que chegam por fios.

Eu aceito o que cada viagem me dá, porque são planejadas e conferidas. Aceitar é o que nos torna bons viajantes, afinal. Alguém já disse que apreciar é viver. Mas comparado à “simplicidade” mencionada acima, essa, ao contrário, terá fartura de conforto, de segurança, prazeres, boas surpresas e descobertas. Resumindo, ainda que planejada, terá tudo para ser uma “caixinha de surpresas”.

Não teremos com o que nos preocupar. Os animais não nos caçam, por exemplo. Se a gente não se aventurar para fora do jipe, está bem claro. Para eles somos uma pacata, inofensiva intrusão em bestas de lata verdes ou beges. Contudo, são selvagens. E quase sempre famintos. E nós, vulneráveis, provavelmente saborosos. Então, não esperam que demos sopa na aspereza das savanas. Por ali caçam-nos os homens. Se bem me entendem, os Masai. Vendem pelo triplo do preço seus badulaques. Dizem que mesmo assim valem a pena.

Na cabeça a expectativa que uma viagem não faz caber. Na mala, toda a roupa de safari que ela consegue. Em caquis, cinzas, beijes, brancos e neutros. Mesmo que não haja um código de vestimenta, é sábio misturar-se com o ambiente. Então, cores bege, marrom e verde-oliva são práticas. E as roupas “respiráveis”, confortáveis, fortes e laváveis. Cores brilhantes devem ser evitadas, pois tornam o observador um destaque na vida selvagem. As escuras, como azul e preto, tendem a atrair insetos, sobretudo moscas tsé-tsé. Levo também uma respeitável farmacinha para eventualidades nada eventuais. E meus troços de filmar e fotografar. E já que viemos, vamos com tudo: binóculos, lanternas, baterias extras, cabos, adaptadores, cartões de memória…  

Todo o roteiro será por destinos inéditos para mim, e embora fundamentalmente para avistar bichos, também para conhecer uma quantidade embaraçosa de outras riquezas na forma de paisagens surpreendentemente variadas, para encontrar gente encantadora e interagir (dentro do possível) com suas culturas, entre elas as de duas diferentes etnias, os Samburu – no Quênia – e os Maasai, na Tanzânia.

Voltarei para contar. Em capítulos.

Istambul. O último encontro

Cinema Paradiso – Pat Metheny & Charlie Haden – Álbum Beyond The Missouri Sky (Short Stories) 1997

Desembrulhando o passado

O mundo é acolhedor, e apesar das tentativas de alguns tornarem-no antipático, até onde consigo me lembrar, sempre me pareceu assim. Desde moleque, 11 ou 12 anos de idade. Foi no começo dos anos 1960, do século passado, que desejei conhecê-lo, tornar-me um viajante explorador e desbravar nosso planeta agradável. Mas eu não fazia ideia de como realizar tal sonho, tampouco se seria possível fazê-lo. Quem poderia prever? Contudo, sonhar com viagens foi o primeiro passo.

Em 1961 os soviéticos haviam acabado de enviar o primeiro homem ao espaço, Iuri Gagarin. Os norte-americanos ainda precisariam de mais oito anos para tornarem Neil Armstrong o primeiro homem a pisar na Lua. Por aqui a gente estava perto de entrar numa ditadura, altura em que me recordo mais limpidamente ter-me ocorrido o desejo de tornar-me um desbravador do mundo. Contudo, de nada eu tinha certeza, exceto de que viajar àquela altura era um luxo imperial, assim como do quanto nosso planeta me parecia belo e atraente, de quantos lugares e possibilidades havia nele esperando por mim. Era um simples desejo, mas enormes as probabilidades de não acontecer. Precisei de duas décadas para começar a viajar e perceber que o mundo tornava-se fácil

Eu costumava contemplar para fora da janela de meu quarto e avistar o céu, o que tornava minha a vida nada insossa e me fazia viajar no horizonte, às vezes, hipnotizado por aqueles trilhos de nuvens deixados pelos jatos a grandes altitudes. Depois eu passava horas refletindo acerca das pessoas dentro daqueles aviões, imaginando uma gente sem rosto, mas bom gosto, indo a lugares tão exóticos quanto distantes. Sião e Timbuktu. Eu dormia sonhando conhecer mil destinos exóticos, como Istambul, por exemplo, que foi-me apresentada na capa de uma revista Seleções do Reader’s Digest colecionada por meu pai. Desde então, aquele lugar da capa, com uma portentosa mesquita, entrou em mim e tornou-se um parasita.

Meu futuro, contudo, não era tão previsível. Ao menos não como me parecia acolhedor o mundo. Tanto que daquela época até o dia em que escrevo estas linhas, seis décadas separam o sonhador do turista deste obstinado – sendo realista e não pretensioso – do moleque que se imaginava um futuro aventureiro desbravador.

Decorrido tanto tempo e após cinco visitas à cidade, Istambul permanece em mim feito tatuagem. Mas algo diferente sinto agora, um certo desconforto ao escrever de novo sobre a “minha” cidade, pouco antes de visitá-la pela sexta vez, em breve. Ao fazê-lo, tal qual um arqueólogo à procura de tumbas inéditas no Egito, ou de um senhor revolvendo camadas do passado no cérebro, abro baús empoeirados onde num mundo em preto e branco encontro lembranças da juventude e da primeira vez em que estive em Istambul.

Corria o ano de 2007, e era Inverno. Recordo-me de minha crônica sobre a cidade, a qual deu início a este blog, inaugurado em 2006, num outro sítio que já não existe. E hoje, pela primeira vez, ocorreu-me que depois de tantas visitas em diferentes etapas da vida, a cidade poderá deixar de exercer em mim tanta atração, não mais representar o que foi ininterruptamente por seis décadas.

Sinto-me ainda como se fôssemos amigos que se alegram por reunirem-se de novo após algum tempo sem encontrarem-se. Agora me ocorre que esta deva ser a última visita, a fim de que eu preserve minhas doces lembranças da década de 1960. Então, nesta derradeira vez que visito a velha senhora, ao despedir-me, que seja para sempre, pois não suportaria perceber que tornou-se “mais uma”, ordinária, e que deixasse de figurar entre as minhas cinco prediletas no mundo. Então, que seja assim, que fique em mim para a vida inteira, sempre e para sempre.

Há ainda muitos lugares nunca visitados que desejo conhecer. Completarei, em 2023, 71 anos de idade. E em Istambul, o que considero um privilégio. E o tempo, nesta fase da vida, passa furiosamente pra mim. Além da idade, também naquele ano completarei setenta e um países visitados, porque Quênia e Tanzânia estão definidos como os próximos destinos, e Bulgária, Montenegro do Norte e Sérvia estejam muito bem encaminhados. A contabilidade não tem nenhuma importância, embora me pareça uma curiosa coincidência. Afora isso…

Até a próxima!

Sevilha – Capítulo 1: O céu não estava azul

Refflejo de la Luna– Paco de Lucia
Sevilha com névoa, vista do topo da torre La Giralda

Sem nuvens correndo, nem vento. Quieto, mas eloquente. Mesmo não transbordado em azuis – daqueles de encher os olhos ou um quadro de Van Gogh – eu não o avistava cinza, e nele ainda havia muito para se admirar. E era aquele, afinal, que nos recebia. Eu quase gostava dele, embora não fosse de pintar, cantar, descrever ou poetizar.

Às 9:20 da manhã, com o pouso quase feito, numa olhada pela janela do avião, estava encoberto, mas embora assim, por uma nebulosidade aceitável. Por favor, não me leve a mal, você sabe que eu não gosto de dias nublados e que turistas também não os engolem muito bem. Em viagens, esperamos todos por dias azuis e com a beleza da luz. Assim como são de esperar os de agosto em Sevilha, que se prolongam até quase às dez da noite, com uma beleza e funcionalidade tão úteis quanto admiráveis para os que viajam. Não chego a aplaudi-los como os cariocas de frente para o sol no Arpoador, mas como os desejo! Dentro de mim sempre haverá um céu azul a desejar.

Pouso feito, no saguão do aeroporto já sentíamos na pele a proximidade da costa africana e a intrusão do Saara na Península Ibérica. Uns 30 graus àquela hora. É assim mesmo em agosto, o Sol parece morar em Sevilha. A vida toda. E o calor, vir de Marte. Não parece humano, nem terrestre.

Nosso lugar por duas noites, no Bairro Santa Cruz, nos deixava bem próximos das atrações mais estreladas da cidade, do museu de coisas extraordinárias que há em Sevilha, de seu conjunto icônico e nítido de imponentes edifícios mudéjares, góticos, barrocos, que em maior parte atraem e seduzem o visitante, embora, em primeira hora, nos cativasse o aconchegante quarto do hotel.

Quarto de bom tamanho, de espaço bem aproveitado, com cortinas espessas para a privacidade, embora lá fora apenas uma insuspeita igreja nos espreitasse. A boa cama com lençóis ainda esticados era um convite que encaramos com naturalidade, cuja sensação de querer usá-los depois de um longo, embora confortável voo transatlântico, creio deva sentir todo ser humano viajante que atravessa fusos horários. Malas depositadas, algumas roupas retiradas, abrimos as cortinas e a claridade da rua já não mais filtrava a luz do sol, entrava por tudo, por nós, nos impulsionava. O reconhecimento da habitação foi ao banheiro e nos mostrou toalhas dobradas e um chuveiro muito atraente esperando por um banho reconfortante.

Pela janela do quarto

Aprontamo-nos logo. Nos chamavam a nitidez das ruas, a precisão do olhar, a dimensão da realidade. Foi bom, e sempre é, imaginar um lugar, embora por mais que o façamos bem, nunca se consagra como vivê-lo. É algo assim como contar e escrever. Então, ouso dizer sem modéstia, que em minha espiada à janela, as calles pareciam prontas e esperando por nós, e que por assim estarem, como reconhecimento, desejávamos destinar-lhes nosso melhor, toda a atenção, até à raiz dos cabelos, embora a cama e o jet lag ainda nos convocassem. Não demos chance à dúvida da espreguiçada e nos preparamos para o dia de caminhadas. Me sentia imensamente bem regressando a Sevilha, como se fosse a primeira vez, embora a quarta, porque sempre há coisas já vistas que mostram novos elementos quando reencontradas, e novos jeitos de vermos o que já conhecemos. Estávamos inteiros para as ruas e sabíamos que a noite aqui seria doce, o que nos confortava e impulsionava às ruas com um gostoso desejo tardio pela cama.

A Juderia

 Entre laranjeiras e azulejos, no labirinto de dobras e quebradas das calles da antiga juderia – o bairro judeu em terras de mouros – por caminhos estreitos e tortuosos, fomos primeiro às Setas de Sevilha – ou Metropol Parasol – uma construção de madeira na praça La Encarnación, bem próxima de nós. Compramos chips para nossos celulares e nos conectamos em 5G a nós e com o mundo.

Las Setas

Depois, caminhamos em direção à Torre del Oro – às margens do Rio Guadalquivir – e, então, à Maestranza, plaza de toros mais antiga da Espanha. Para amanhã ficarão os tesouros mais desejados de Sevilha, cidade abarrotada de preciosidades mouriscas, mudéjares, maneiristas, renascentistas e barrocas como os Reales Alcázares, a Catedral La Giralda, o Arquivo Geral das Índias, a Casa de Pilatos, a Torre la Giralda. Depois, à bela Plaza de Espanha com o céu cinzento e pingos de chuva. Lembramo-nos do que nos dissera o motorista que nos levara do aeroporto ao hotel: “Nunca chove em Sevilha em Agosto” e rimos de sua furada previsão, sentindo alguns pingos parrudos caindo do céu sobre nós.

Torre del Oro

Apraz-me voltar a Sevilha, e embora já não me sendo mais cidade estranha, ainda que não tão íntima quanto foi a João Cabral, poderia até viver a aventura de “perder-me” na Cidade cítrica – como a poetizou Melo Neto. Mas não, precisávamos andar com sentido e mapa, pois foi viagem planejada ao pormenor, devido ao pouco tempo. Era viagem nossa, assim como o tempo, mas este era pouco e de nada me serviria perdê-lo. E o tempo, em viagem, sempre me parece naturalmente que mal dá conta.

O percurso de quatro quilômetros tortuosos foi acompanhado pelo Astro Rei com toda sua força andaluza, sua claridad invasora num céu vivo, pronto a assassinar os transeuntes. Surpresas nos esperavam. E nós por elas. Contudo, em Sevilha há algo invisível, talvez os duendes citados pelo poeta espanhol Federico Garcia Lorca, o menestrel da Andaluzia, que não sei ao certo. Talvez sejam eles que animem e impulsionem meu espírito poético e romântico ao escrever estas linhas e, para além, me façam compreender o motivo por que esta cidade produziu tantos grandes poetas.

Plaza de Toros Real Maestranza de Sevilla

Embora eu não os veja – os duendes, não os poetas – percebo no ar o que sugeriu sua existência, pois parecem mesmo escondidos por toda parte. Embora não concretos, aparentes, expostos, dizem que eles costumam guardar em si o poético mistério da cidade. Daqui, com estes meus olhos de setenta anos, já os “enxergo” sem problemas, apesar de um antimístico convicto e orgulhoso.

“Nunca chove em Sevilha em agosto”…

Dizem que para além dos duendes de Lorca há lendas nos labirintos de Santa Cruz, e que basta mergulharmos em seu traçado complexo, às vezes impossível, para que se revelem sob a agradável sensação de que o tempo se detém, que a descoberta de preciosidades – como o barroco Convento de Los Venerables, surgida como uma aparição depois de passarmos por ruas tão estreitas quanto inimagináveis -, nos faça desembocar na rua mais estreita da cidade – a Rua dos Beijos, ou Calle de los Besos. Que cidade tem uma rua com tal nome? E a história dos duendes? Parecerá exagerada depois da caminhada pela juderia em meio às casinhas típicas sevilhanas e às plazuelas? Entre fachadas de sobrados que muros altos proíbem, mas sombreiam as ruelas no verão inclemente? E janelas com persianas externas rústicas, de enrolar, de madeira, usadas para sombreá-las?

Há pouco som, o cheiro é agradável e a brisa nenhuma. Agosto vai em meio, o Sol quase lá, mas nem é preciso olhar o termômetro para senti-lo feroz, seja na pele exposta ou na coberta. A manhã não é mais pura, já esbarra na tarde e o calor exige sombras, chapéus e goles d’água para a sobrevivência do transeunte.

Caminhamos a par e de vez em quando eu sentindo minha ansiedade desejar dizer-lhe: “Estás gostando?” Bom mesmo seria pararmos para umas tapas e perguntar-lhe, olhos nos olhos, entre um gole e outro de vino rosado. Não seria uma façanha, pois é mulher de bom gosto e personalidade, difícil de agradar com superficialidades. E embora Sevilha, queira ou não, abrace e contamine como germes, bons germes, nem todos os pegam. Daquele momento em diante deixei que tudo corresse com naturalidade, embora intimamente desejando que acontecesse como com Istambul, onde nossas energias e gostos se comunicaram tão bem, embora de maneiras e em tempos diferentes, mas às vezes fundindo-se surpreendentemente. Deixei que o redemoinho de tudo o que estava por vir, viesse. E, quem sabe, de lá saísse concordando com o poeta, porque quem a visitou e leu J.C. de Melo Neto, haveria de concordar que Há que sevilhizar a vida. Há que sevilhizar o mundo.

Paramos para comer num restaurante encantador. Nos sentamos entre turistas e turistas. Locais eram garçons e cozinheiros. Comemos tapas e bebemos sangria fresca. Tudo delicioso. Como Sevilha, que é sempre uma boa história, que acaba, mas nunca termina.

Seguimos nosso destino, turistar. Com prazer, que embora com sentido, direção, sem perder-nos, pela beleza das ruelas inesperadas, entre gradis de ferro bem trabalhados, vasos de plantas nas janelas, floreiras presas às paredes, chafarizes, azulejos, bancos e jardins, por meandros como se fossem rios, ruas com nomes ora históricos, ora românticos como Patio de Banderas, Callejón del Agua, Calle Vida, Susona, Pimienta, Lope de Ruda, Santa Teresa, Rodrigo Caro e Santa Maria La Blanca, enfim, como disse o poeta, por “lugares todos ao alcance do pé”.[1]

Sangria

Eu não sei se ruas podem ser denominadas assim sem incorrer em exageros, mas essas de Sevilha me parecem ter saído de dedos com boa dose de graça e nomeadas com o coração e imaginadas para caminharmos a escutarmos os próprios passos, não sentirmos o passar do tempo. Que resultado esplêndido!

Entre as ruelas que percorrem o bairro como se fossem rios, o túmulo de Colombo e o berço de Velásquez e de Murillo, com cheiro de laranja e gosto de azeite, entre igrejas como a do Sagrario e a de Santa Cruz, a Capela de Santa María de Jesús, os conventos de San José del Carmen e o de La Encarnación, pracinhas bucólicas e silenciosas, chegamos à meta, o Rio Guadalquivir.

O Rio Guadalquivir

A Maestranza, plaza de toros mais antiga da Espanha, lugar polêmico, de uma arte lancinante, de morte que é vida. Não discuto, mas muito me agrada, razão por que não me arriscarei em julgamentos. Ali, em dias de luta, cinco touros têm seus momentos mais impressionantes: de preservar suas vidas, o que significa desempenhar uma bravura indômita no espetáculo e contar com o raro indulto de seu diretor ou, mais fácil, de matar ou ferir gravemente o toureiro. De outro lado, o matador, cuja única medida matar, pois jamais admite ser morto, embora arrisque-se com os cornos a perfurarem-no. Esta é a base fundamental do terrível jogo, mas Sevilha, devemos compreendê-la, é assim: sagrada e profana, passional e apaixonante, religiosa e sensual, crente e descrente.

La Maestranza

De volta ao hotel,com as luzes acesas, imagino alguém dedilhando uma guitarra e outro sapateando sobre um palco. A voz do cante, autêntica, de pura música e grandes floreios, é coisa que vem de dentro, e quem dança o flamenco, operário da arte andaluza, sua enquanto a expressa. Não vejo, mas os imagino e buscam-me os pensamentos. É bonito mesmo assim sem ver, ou ver não vendo. O bailado, uma das marcas ciganas e mouras da Andaluzia, inspira. Tal qual os atos de As Bodas de Fígaro, de Mozart, que embora estreada em Viena, em 1786, com libreto em italiano, era a continuação da vida de Fígaro, iniciada em O Barbeiro de Sevilha. Aqui, também se aprende ouvindo. E tudo é tão rico, tão pitoresco, que mesmo nesta pequena amostra de grandiosidade, num recorrido de um dia, encheu-me de coisas para sonhar esta noite.

Bairro Santa Cruz

[1] João Cabral de Melo Neto, o escritor e diplomata brasileiro, viveu na cidade nos anos 50 e 60 e escreveu nos livros Andando Sevilha e Sevilha Andando poemas revelando costumes e tradições espanholas, revelando sua admiração pela cidade.

A seguir Capítulo 2 – Qual o segredo de Sevilha?

Sevilha – Introdução

Sempre e para sempre (Always and Forever – Pat Metheny Group)

De volta ao começo, ao normal, ao admirável mundo velho

Às vezes eu estava lá, porque, afinal, o sonho é livre. Contudo, a maior parte do tempo, estive por aqui mesmo, em casa, mascarado e preso à falta dos sabores especiais de viajar. O cérebro transbordava em memórias e desejos, e entre nostalgia e esperança – dois sentimentos perigosos (se mal controlados) – surpreendia-me com recordações percorrendo os labirintos da mente, sempre pródiga em suas assimetrias a alimentarem memórias, da vida mesmo, de tudo, da cruel realidade da ausência das relações, dos milhões de beijos perdidos, de abraços proibidos, da devastação humana, das vidas salvas e das perdidas, da arrogância à negação dos cuidados, dos heróis e dos vilões da pandemia, da prisão imposta pela abstinência pandêmica, das fronteiras fechadas e das incertezas do livramento do maldito risco de morte. Restavam-me, então, as jornadas virtuais e um sentimento de “nunca mais” poder viajar.

Sei que não estava sozinho. Nem aqui, nem no mundo. Havia amigos, filhos, familiares, amada, sócios. Eu e a Terra vivendo a rude incerteza do presente. A dor que nos cercava, e a muitos aniquilava, às vezes fazia parecer sobre-humano lutar, que nossa hora iria chegar, cedo ou tarde, e que em breve as forças do mal arrombariam as portas de nossa vida confinada.

Cada um sentia suas coisas; uns morriam de medo de sair, outros de vontade de botar os pés fora de casa. Até que veio a primeira dose, uma emoção que não consigo contar, embora tenha sido um privilégio que desse ‘pra escrever um livro, uma sorte da qual jamais esquecerei, significativa, importante, tal como “viver de novo”.

Me lembro bem daquele dia. Enquanto eu estava na fila observando os que tomavam sua primeira dose, uns apavorados, outros sorridentes, chegando minha vez levantei a manga da camisa, fechei os olhos inspirei e expirei profundamente. Silencioso, confiante, como se assim eu potencializasse o poder da vacina com o poder da minha mente. “Pode abrir os olhos, senhor!”, disse a moça que me aplicara a injeção. Assim o fiz e notei sua expressão: um sorriso sugerindo que eu sentia medo, sem saber que eram êxtase, emoção, felicidade e agradecimento. Agradeci carinhosamente à jovem, que e talvez por isso não lhe tocasse o significado daquela vacina para cada um dos idosos da enorme fila. Ou, pior, para os integrantes dos grupos de risco mais graves. A sensação de “voltar a viver” era verdadeira, um presente, um privilégio. Então, senti-me vigoroso, verdadeiramente orgulhoso, e percebi que a desde ali as coisas começariam a mudar.

Então, apesar de persistirem resquícios de lembranças do passado, chegaram as esperanças no futuro. As minhas, vivas, remoíam no cérebro. A quarentena me fez compreender a necessidade de esperar com paciência e seguir pensando em lugares, imaginários ou desejados, alimentando meu desejo de um dia tornarem-se realidade em novas viagens. Aqueles dias, anos, em verdade, demoraram e, hoje, sabemos que continuarão para sempre. Agora, contudo, dois anos, oito meses e quatro doses depois da última viagem – gracias a la vida! – estamos libertos das suspensões e voltados às expectativas. Apesar de Agosto – que dizem ser do desgosto – quanta alegria poder voltar a voar neste mês.  

Aceito com reconhecimento, singeleza e humildade o privilégio de voltar a olhar o mapa mundi com olhos exploradores e inspiração, sobretudo o de começar a pôr em prática – sem desvios repressivos – novos planos que recuperam meu enorme, delicioso prazer de planejar viagens, de arrumar malas e de partir. Meu regresso à vida viajante torna esta viagem mais marcante, não ordinária e com mérito libertário, uma consequência memorável, embora me pareça que isto tudo soe sem originalidade, pois meio mundo parece ter tido a mesma ideia ao mesmo tempo e resolveram partir antes que fosse tarde demais, tal qual estouro de boiada.

Estou de volta ao passado, ao de um turista intencional, embora dando os primeiros passos nesta escapada a uma de minhas cinco cidades prediletas no mundo, Sevilha, um caso de amor à primeira visita há mais de 30 anos, quando me ocorreu uma sequência infindável de belezas que me abraçaram e infectaram feito germes desde o primeiro instante. Experimento agora um “dejà vu” sem estranheza, uma agradável sensação de estar onde quero e escolhi, embora imaginando que não vá sentir os impactos dos encontros inesperados de outrora, talvez porque concentre todos esses desejos em que sejam agora dirigidos à companheira, o motivo fundamental desta jornada: mostrar-lhe, tão logo possamos, as minhas cindo cidades prediletas do mundo: Istambul, que já conheceu comigo, Bangkok, Sevilha, Barcelona e Praga, planos em sérios planejamentos.

Não preciso me lembrar, nem a você, minha companheira, do inesquecível: nossos momentos juntos no auge da crise, nossos medos, nossas precauções, as escapadas à rua com tudo cerrado, nossas voltas de moto pela serra de Petrópolis ou Teresópolis como se emoreendêssemos uma aventura ao Atacama, ao bairro da Urca, àquele café, único café aberto em toda a cidade, das nossas noites diante da TV, da limpeza das camadas de ferrugem pelas caminhadas no condomínio, de nossos jantares em casa, das viagens off Road à Serra da Canastra, de todas as lembranças que jamais desaparecerão, sobretudo de imaginarmos – com os olhos abertos ou fechados – qual seria o lugar perfeito para comemorarmos o fim das privações. Por bem, estamos aqui agora!

Apraz-me, então, tanto escrever quanto viajar. E escrevo o que sinto com a mesma genuinidade de sempre, usando as palavras com respeito ao leitor e cuidado às suas convicções. É bom saber que a escrita tomará corpo, vida, caminho e independência, que na virtualidade da Internet, pelas vias deste blog, alcançará os olhos de alguém e se tornará quase um personagem. E assim como num conto, tal qual uma janela que se abre, que seja com ele generoso, que toque seu coração e mente, o motive, inspire, contudo deixando-lhe toda a liberdade do veredito final: divertir-se ou não, encontrá-lo aqui novamente ou vê-lo sumir.

Até lá!

Próximo capítulo: Sevilha – Acabamos de chegar

ÍNDIA, AGRA – O Mausoléu de I’timād-ud-Daulah

Going AheadPat Metheny Works Albun, by Pat Metheny Group

Palavras funcionam, embora às vezes não tanto quanto as imagens. É claro que as primeiras dependem do poder e da arte de quem as escreve, mas embora sejam a matéria prima deste blog, são as segundas que tornam mais efetiva minha intenção de cativar o leitor, motivo pelo qual recorro aos filmes e às fotografias, bem mais do que de fato eu precisaria se tivesse pleno domínio da escrita. Sem as imagens eu não iria tão longe na intenção de mostrar ao leitor o que vi e senti, e embora histórias bem narradas tenham grande valor, por vezes, quando ilustradas, ficam ainda melhores.

De todo modo, qualquer viagem, mesmo escrita por um mestre, perde muito do seu encanto aos olhos de quem a viveu. É possível, com palavras, descrevermos o que vimos e sentimos, mas não creio ser possível fazer alguém chegar a sentir a mesma emoção, causar-lhe o mesmo arrepio e as venturas e desventuras de quem as experimentou. Escrevo sempre com o melhor de mim, não apenas por respeito ao leitor, também por gosto, contudo sem jamais acreditar ser possível fazê-lo vivenciar o mesmo que trago guardado em minha cabeça. Mas ah, como eu adoraria ter o poder fazer isso!

Estávamos em Agra, numa rua a caminho de uma atração secundária, desviando de vacas sagradas, de tuc-tucs apinhados, de bicicletas lentas e respirando ar poluído. Vivendo, enfim, o caos indiano organizado e com sentido, aquela mais absoluta loucura asiática, coisas que só acontecem na Índia que a tornam tão única e peculiar e a convertem numa preciosidade. Desfrutávamos com toda intensidade o momento, e não apenas porque nos agradavam soberbamente suas atrações monumentais, sua arquitetura sublime, seus templos encantadores, palácios e fortalezas notáveis, mas as pessoas e as experiências que essas particularidades nos possibilitavam viver.

Creio que será assim agora, ao tentar descrever minha primeira impressão à vista daquele mausoléu. Seguramente ele seria, em qualquer lugar do mundo, um monumento espetacular, mas ali, situado próximo ao Taj Mahal e ao Forte Vermelho de Agra, tornou-se, inexoravelmente, deles uma eterna sombra.

Não houve empatia nem emoção. Pareceu-me mesmo atarracado, embora luxuoso, um caixote de mármore feito para abrigar algumas tumbas, sem lá muito apreço pelo desenho, embora tanto pela ornamentação. Mas bastou aproximar-me dele para que a crueza do olhar imediato fosse compensada pela atenção de um mais cuidadoso. E era este intencional, que sob silêncio, tornava o objeto observado mais invasivo ao observador. Parado diante de alguns detalhes, como se estivesse acomodando minha visão, lembrei-me de meu prazer de olhar assim, com mais presteza.

Recordo-me até de quando senti-me impulsionado a observar as coisas de tal jeito: foi com a releitura – anos depois da publicação – de uma crônica de Otto Lara Resende – “Vista Cansada” – publicada no jornal Folha de São Paulo em 23 de fevereiro de 1992, em que dizia “…de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo…”. Mais tarde, confirmei a simpatia pelo jeito de olhar com o poeta inglês William Blake, quando em algum lugar afirmou que “Se as portas da percepção estiverem limpas, tudo parecerá ao homem como de fato é…”.

Desde então, tornou-se um exemplo a imitar, o qual tenho me tornado assíduo na prática, evitando os descuidados, para os quais tornei-me vacinado.

Pois bem. Não tem aquele mausoléu – sob qualquer ponto-de-vista – a grandiosidade das obras da Índia mogol que até então havíamos visitado. E isto não o deixaria menor, não fosse a proximidade aos seus irmão gigantes. Contudo, conhecida sua história, observados seus detalhes, torna-se ele um estímulo à exploração mais cuidadosa. Com um olhar mais demorado o observador percebe uma beleza menos ostensiva, então discreta e delicada. E nem tanto pelo desenho, mas pela ornamentação. De tal maneira que a Tumba de I’timād-ud-Daulah – uma atração quase secundária em Agra – torna-se de tal modo, uma curta e agradável visita para qualquer visitante, mesmo o não apreciador da arquitetura mogol.

A “caixa de joias” – como costumam descrevê-la – não tem a glória, o romantismo e talvez nem o amor que inspirou a construção do Taj Mahal. Mas sabendo-se que foi nela que inspirou-se o projetista para desenhar aquele, o símbolo do amor eterno – o Taj, que mais tarde consagrou-se como obra prima da humanidade e uma de suas maravilhas da humanidade – esta pequena caixa toma outro valor.

À beira do rio Yamuna, construído entre 1622 e 1628 num pequeno terreno ladeado por jardins e córregos, muito embora discreta, é obra de grande importância arquitetônica, já que marca a transição entre a primeira fase da arquitetura monumental mogol – em arenito vermelho e com decorações em mármore branco e preto – e sua segunda fase, esta a qual me refiro. Além do mais, foi o primeiro monumento construído inteiramente em mármore branco na Índia, com o qual inaugurou-se o ciclo de construções monumentais baseadas naquele material e também o emprego da técnica de ornamentação denominada pietra dura, usada no Taj Mahal, aquele trabalho magnífico, de inspiração italiana, que consiste na incrustação de pedras semi-preciosas na pedra branca polida.

Sobre uma plataforma de arenito, ele tem este trabalho nos quatro lados e ornamentações islâmicas admiráveis, que muitas vezes atenuam a por vezes severa demais simetria do “caixote”, o que lhe confere grande personalidade, além de beleza e uma aparência muito peculiar.

A entrada para o jardim é feita cruzando-se um portal de arenito vermelho, da fase anterior, de frente para o rio Yamuna. Logo depois o túmulo aparece e domina a paisagem, tirando do visitante toda a sua atenção. Ao aproximar-se, este perceberá que cada milímetro do mármore foi decorado com as incrustações em topázio, lápis-lazúli e ônix, entre outras, cujos motivos ornamentais de origem persa, representam ciprestes, taças de vinho, frutas e vasos de flores, até os afrescos ainda relativamente bem visíveis do interior.

Uma caminhada pelo complexo revela ainda outras pequenas dependências, um jardim e canais de água e a ausência de turistas, algo que me surpreendeu, tal a importância da obra. Ao chegar à margem do Yamuna avistei uma Agra diferente da que até então visitáramos: altas chaminés de tijolos de indústrias hoje desativadas, outrora poluentes, e do rio seco e assoreado, provavelmente também poluído. Foi uma breve visita, contudo da qual trouxemos agradáveis lembranças.