Uma linha bastava para descrever a perfeição dos dias no Maasai Mara: o lodge, sua equipe muito distinta, a comida, as vistas privilegiadas desde o topo daquela escarpa altiva, nosso chalé-cabana, leões e hienas próximos ao acampamento e os espetaculares safaris.
Se numa viagem há naturais expectativas e deslumbramentos, também algum desapontamento, que para mim fora irrelevante. Se por um lado eu os reconhecia como os dois melhores dias da viagem até então – embora merecimento houvesse de elogios a todos os anteriores – me prendia o reconhecimento, mesmo que eu sentisse a vibrante expectativa pelos próximos destinos.

Há lugares assim, que nossa mente idealiza e por eles passa a esperar. Não haveria de ser diferente como os próximos e mais desejados – Serengueti e Ngorongoro – embora o Masai Mara terminasse consagrando-se um dos troféus de toda jornada, o que não é pouco, verdadeiro espólio de tudo o que há de África subsaariana, dos safaris aos animais selvagens, dos big five às belezas das savanas.
Sem a petulância de desdenhar de um ou de outro (todos me agradaram), eram aqueles que estavam por vir – embora com eles também o lugar que deixávamos agora – os que me fariam perceber que a África estava ficando em nós.
A viagem progredia sucessivamente tornando-se melhor e mais encantadora dia após outro. E se de toda viagem sabemos que um dia chegará seu fim, eu tratava de registrar aquela com cuidado, num lugar macio da memória, fosse em imagens oculares, fosse nas fotografias e filmes, o meu jeito de perpetuar tais experiências.

Já havia raios plenos no céu do Mara Triangle, que saturado de tanta luz fazia tudo parecer aceso. E embora assim, e em África, a temperatura às oito da manhã se sentia com serenidade. Em fevereiro, no Quênia, o clima intervala entre perfeito e bom, e era como o sentíamos todas as manhãs ao nos prepararmos para a saída. Naquela, em direção a Isebânia, no Quênia, na fronteira com a Tanzânia.

Entre ambas – Isebânia e Sirari, Tanzânia – ficam as respectivas Border Crossing Stations. Na primeira obtivemos os carimbos de saída, nos despedimos de nossos motoristas e jipes e entregamos-lhes um envelope com a gratificação em dinheiro de todo o grupo. Depois, a pé – carregando nossas malas – atravessamos a fronteira. Pense numa caminhada longa e exaustiva. Não foi assim. Cinco minutos bastaram, talvez menos, para sairmos do prédio da imigração queniano e adentrarmos o da Tanzânia. Escaneadas as malas, apresentamos os certificados internacionais de vacinação e fomos aos guichês solicitar os vistos de turistas, pelos quais pagamos cinquenta dólares americanos.


Com os vistos estampados nos passaportes, em poucos minutos eu já me sentia noutro país, embora sempre em África pura, contudo, com novos jipes, motoristas, gente e seus jeitos e posturas, e paisagens.

A estrada ia entre cidades e campos, entre gente e animais e com as paisagens ficando para trás dos vidros dos jipes, como se fossem devoradas lentamente por sua velocidade.

Cento e poucos quilômetros e três horas depois pararmos em Tarime, uma cidadezinha onde comemos o que havia em nossos lunch boxes, acompanhados de cerveja Kilimanjaro ou de Coca-Cola. Encerramos o breve stop com chave de ouro: comprando vinhos franceses e tanzanianos numa venda local, que seriam apreciados à mesa à noite, no jantar, em nossas habitações e até dentro dos jipes com “taças” improvisadíssimas, mas com muito gosto.

Seguimos a estrada ao destino, e a 48 quilômetros de Tarime paramos numa ponte sobre o rio Mara, num vilarejo entre Matanka e Nyansurura. Avistamos uma linda tartaruga-leopardo (Stigmochelys pardalis) no meio da estrada e crianças ainda mais encantadoras caminhando. Pararam e fomos até elas para fotos e abraços.


A viagem de carro pela estrada em direção ao Serengeti revelava-se uma experiência de descobertas e de novas experiências, de paisagens verdes, de vilarejos vibrantes e coloridos, de pessoas acenando e transmitindo a hospitalidade tanzaniana, de planícies com manadas de animais domésticos, de serenidade na vida que seguia.

Nos aproximarmos dos portões do parque nacional do Serengeti e sentimos a mudança na atmosfera, com a luz mágica do fim da tarde aquecendo a temperatura de cor, depois de um dia inteiro com luz se estendendo por todo o caminho. Paramos e apreciamos o momento enquanto os motoristas-guias resolviam as questões burocráticas para nosso ingresso no parque. Talvez tenha sido o lugar onde mais tiramos fotos de nós mesmos, isoladamente ou em grupo, talvez sem sabermos o quanto seriam apreciadas depois em nossas casas.

Recostei a cabeça no apoio do banco, fechei os olhos e pus-me a imaginar o lugar onde estávamos prestes a chegar: o Ikoma Tented Camp, acampamento localizado na região de Ikoma, no norte da Tanzânia, na fronteira ocidental do Parque Nacional Serengeti e próximo ao Ikoma Gate. O sol descia no horizonte, belo e atraente como sempre.

A África estava em nós
Tendas muito rústicas, mas espaçosas, com bom conforto, água quente nos chuveiros, cama com lençóis e travesseiros limpos e mosquiteiro ao redor, móveis rústicos e simples nos abrigariam por uma noite. Havia um filtro de linha com tomadas, luz elétrica, toalhas limpas, chuveiro e banheiro bons para o padrão cabana e wi-fi no restaurante.
À noite, guardas ficavam perto das barracas para cuidar que animais selvagens perigosos não se aproximassem. Eles também acompanhavam os hóspedes do quarto ao restaurante e assim faziam à volta. Era o que nos dava uma sensação plena de que estávamos dormindo numa barraca no meio da savana, sem cercas entre os animais que a habitam.
Defronte tínhamos vista para a planície aberta, que se não era arrebatadora como no Masai Mara, estava ao nível do chão e sem qualquer tipo de cerca limitando a vida selvagem chegar até nossos pés. A noite foi bem dormida, com ruídos bem sutis de animais, sendo, aparentemente, os grilos os mais audíveis. Estávamos no coração da vida selvagem africana, algo único e encantador, especialmente por ser no Serengeti, um cenário de maravilhas naturais.

As estrelas brilhavam intensamente, num espetáculo magnífico sob a agradável brisa que ondulava o mato à frente e trazia os cheiros tão únicos da savana africana. A sensação de paz e de serenidade era notável, um ambiente perfeito de calma que sugeria uma noite de saudável, profundo sono. Sentado por uns minutos antes do sol se por, na cadeira rústica da varanda da cabana, olhando o céu e a savana, em me sentia como Langsdorff explorando o mundo nos séculos XVIII e XIX.
Creio que pessoa nenhuma ali entre nós tivesse deixado de sentir o mesmo. A África estava em nós. Mais uma vez, ainda que naquela noite as fibras do meu coração não houvessem tremido ao som de leões e hienas junto à nossa cabana.
Um dia de safari no Serengeti
O safari não era novidade, nem assim os animais, senão a paisagem. Esta sim, fascinante e diferente. O dia começou como todos, cedo, e com o nascer do sol, um bom café em grupo, cumprimentos calorosos e o céu enchendo o horizonte de tons avermelhados e alaranjados, momentos que embora corriqueiros, sempre se renovavam encantadores. A expectativa era entre as melhores, pois estávamos prestes a embarcar na jornada pela icônica reserva de vida selvagem da Tanzânia, talvez a mais reconhecida do planeta África.

O jipe com o teto aberto nos permitia, como sempre, uma visão limpa e livre, panorâmica, de todo o ambiente. No Serengueti, para além da já nossa familiar vastidão de planícies, nos presenteava com formações rochosas imponentes, inaugurando uma nova geografia presenciada dos jipes. Assim que saímos do acampamento avistamos os primeiros animais selvagens, manadas de gnus e zebras se movendo em harmonia, pastando nas gramíneas altas, além de grupos de girafas com seus sempre elegantes porte e caminhar, pescoços alcançando as folhas mais verdes das árvores ou atentas ao horizonte.

E de elefantes majestosos como sempre, atravessando o terreno defronte aos nossos jipes, cujos motoristas comunicavam-se com outros por rádio, compartilhando informações sobre os avistamentos mais recentes, sobretudo leões, leopardos e chitas.

A visita ao The Tanzanite Experience foi uma bela oportunidade de aprendermos muito acerca daquelas preciosas, valiosas, belas pedras. Saindo dali, começamos a avistar famílias de leões descansando sobre elevações rochosas ou tomando sol à beira de um lago. Por vezes solitários, descansavam à sombra de uma acácia. E de hipopótamos, que refrescando-se em lagos de pouca profundidade, tinham seus dorsos para fora, parecendo ilhas de pedras. Uma encantadora, esguia, elegante chita sobre uma formação rochosa tinha o olhar atento ao horizonte, uma visão fascinante entusiasticamente registrada em dezenas de cliques.

Não era tudo, senão bem mais o que se poderia esperar encontrar no Serengueti, da vida selvagem ao fabulosa geografia. Ao meio-dia fizemos uma pausa para almoço ao ar livre, com olhos atentos à paisagem e compartilhando nossas aventuras entre o grupo.















À tarde retornamos ao acampamento, que no dia seguinte seria num outro lodge, para uma exploração de nova região do imenso Serengeti – no Nduto Camp – base para nossa exploração de uma belíssima área do extenso parque nacional, de onde novamente nos mudaríamos um dia depois para uma exploração encantadora da cratera de Ngorongoro, quando então seria hora de pensarmos em nosso retorno a Nairobi, para a última noite da viagem.

Sentei-me na cadeira rústica da varanda da tenda, pouco antes do sol se pôr. Contemplei o céu e a paisagem daquela porção do Serengeti com calma, depois de um dia em que avistamos tantos animais no safari. Esperei o anoitecer e percebi que aquela, apesar de singela, estava sendo uma experiência poderosa. A emoção que foi a combinação de entusiasmo com serenidade, de conexão com a natureza e a sensação de pequenez diante de sua imensidão. À medida que o sol se punha, a paisagem ia se transformando até que uma atmosfera fascinante me envolveu. Difícil descrevê-la e emocionante lembrar-me dela. Quando o sol desapareceu completamente, lembrei-me de que era hora de seguirmos para o jantar, embora eu estivesse tomado pela admiração e beleza do lugar. As primeiras estrelas começaram a aparecer e vozes vindas da cabana principal do restaurante sugeriam que deveríamos nos juntar ao grupo. Levantei-me com uma última olhada para o céu e a savana do Serengueti, sentindo-me como um membro da expedição Langsdorff, no início do século XIX, ou provavelmente o próprio: uma mistura não vulgar de fascínio, entusiasmo, curiosidade e senso de aventura, embora longe dos desafios por eles enfrentados.
Fui dormir com a África em mim, sonhando com coisas do imaginário e da realidade.
Asante*, África!
* Obrigado, em Swahili.