ÍNDIA – Jodhpur. Onde foi parar o azul?

No centro velho da cidade, a Torre do Relógio da Praça Sardar é um marco, e além de mostrar as horas com precisão britânica, o belo relógio espia do alto um labirinto de ruas estreitas, calmas e surpreendentemente alheias à efervescência vulcânica ao redor da torre que o abriga. A cidade se espalha para além dali, mas todo mundo parece morar naquele quadrado, porque é mesmo extraordinário, porque todos querem ficar por ali numa agitação que nunca termina.

A Praça Sardar

Protéticos, barbeiros, costureiros e vendedores instalados na praça aguardam com paciência indiana por seus clientes. Mulheres também, talvez em maior número, a maioria sentada no chão, vendendo roupas coloridas amontoadas em pequenas pilhas sobre lonas encardidas. Bancas de frutas e frituras nos convidam a saborosas, mas imprudentes experiências gustativas. Ela – a torre e seu relógio inglês -, além das ruas e das pessoas que a circundam, é vigiada mais distante pela imponente, altiva fortaleza de Mehrangarh, que soberba no alto da colina, a tudo regula.

A fortaleza de Mehrangarh, soberba, no alto da colina

Enquanto circulo e observo, cruzo com olhares bons e curiosos, interesseiros e interessantes. Mulheres cintilam em saris coloridos, emprestam a graça e leveza que falta ao energético espaço. Homens conduzem e buzinam motonetas que parecem prestes a se desfazerem. As vacas – aqueles animais-divindade que na India, muito embora não frequentem cultos ou templos, têm-se como sagradas – ficam ali, ao Shiva dará, deitadas ou caminhando sem destino e sem que ninguém as importunem, tal como é próprio aos seres sagrados.

Olhares bons e curiosos, interesseiros ou interessantes

Cães maduros e filhotes serelepes andam entre tuk-tuks, ambulantes, pedestres, desocupados, carregadores, pedintes e mendigos. Se não me escapa nada ou ninguém, é o grupo de coisas e seres que passam ou ficam na praça, aperfeiçoando o que na Índia chamamos “bagunça”, mas que o tempo e a boa observação nos faz perceber lógica, fundamento, princípio e ordem.

A cacofonia de sons – alguns decifráveis, outros não – e a inquietação da Praça Sardar de Jodhpur podem até consumir a estabilidade mental dos visitantes, mas tudo o que se vê, se ouve, cheira, toca e experimenta é precisamente o que faz valer uma viagem ao país. Estas experiências – de contemplação ou participação – tornam a Índia este destino tão fabuloso, para além do que já encanta seu patrimônio cultural e arquitetônico. Se ainda não o tiver percebido até então, será ali, na Praça Sardar de Jodhpur, que o visitante verá consumadas todas as verdades e clichês que ouviu do país, tudo aquilo que lhe pareça tão verdadeiro quanto seu oposto, e tão confirmável quanto enganoso.

Misturam cores, do rosa ao verde, do verde ao vermelho, do laranja ao amarelo

Aquela, decididamente, é uma vida que não nos pertence, mas quase podemos a senti-la como nossa, como se houvesse um princípio ativo oculto no ar que entra pelas narinas, chega aos pulmões e pela corrente sanguínea, termina no cérebro. E como os deixando num estado alterado de consciência, consagra-se num êxtase e nos marca como cicatriz.

Johdpur é mais que uma cidade que merece ser vista e terem contadas as experiências nela vividas; é para jamais esquecer. Por isso me apraz tanto agora escrever e reviver aqueles momentos.

Quanto melhor o envolvimento, maior o desgaste, mas o cansaço mental, às vezes exaustão, de alguma maneira é compensado. Os contrastes entre beleza e pobreza são invasivos, e por certo hão de ferir a sensibilidade do observador, já que antes atingem a dignidade humana. Chegam a magoar, entristecer, marcam o observador, mas são efeitos que passam, ainda que não se esqueçam. São como ferimentos, que um dia doeram, mas viraram cicatrizes: já não doem, mas lembram ter doído. E quando o coração parece cansado, o que os olhos enxergam desperta o ânimo novamente. E se chorar é natural para os mais sensíveis, sentir as lágrimas discretas e silenciosas correndo sob os olhos é parte da experiência. Ao final, entre mortos e feridos, salvamo-nos todos e, então, a Índia torna-se uma droga que depois da abstinência apela ao regresso.

Fotografo tudo com intensidade fora do comum e sinto o calor do processador da câmera esquentar a palma de minha mão. Desligo-a. Enquanto ela e meu cérebro esfriam, entramos no modo “repouso”. Deixo-me à contemplação dos pombos, que em bando agitados tiram rasantes de minha cabeça. Acompanho suas evoluções como se buscasse nelas uma tranquilidade reparadora. Volto à Terra e percebo que não teria sido tão perfeita a visita à cidade sem que tivesse vivido aqueles exaustivos, tortuosos momentos na Praça Sardar, o lugar mais exuberante de vida em Jodhpur.

Preciso trocar dólares, digo a Gajraj, nosso guia .

Ele nos leva a uma pequena loja de chás, massalas e incensos, com a melhor variedade da cidade, especialmente o pimentão vermelho de Mathaniya e darjeelings embalados a vácuo.

O proprietário é um dos melhores cambistas da cidade, nos diz o guia.  

O sol já anuncia sua ida para o Japão quando peço para retornar à torre. Subimos quatro ou cinco degraus que levam ao seu embasamento e depois ao topo, onde chegamos ao relógio para ver seu mecanismo. Desde este plano inicial, ligeiramente elevado em relação ao da praça, assisto à vida indiana passar e compreendo ainda melhor a lógica de seu movimento enquanto os sons que misturam vozes com ruídos da rua enchem os ouvidos.

A Torre do Relógio, ou Ghanta Ghar

Construída pelo marajá Sardar Singh, é uma parte importante da história da cidade. Tem alguma beleza e atrai seu desenho de uma arquitetura distinta. Cabe um olhar cuidadoso neste marco da cidade, ponto turístico que não atrai turistas, já que nenhum estava por ali disposto a pagar algumas rúpias para subir suas estreitas escadas, talvez desconfiados de sua estabilidade. No topo, conhecemos o Sr. Mohammad, homem que cuida do mecanismo e mostra como as coisas funcionam por ali.  O espaço é apertado, mas a experiência e o mecanismo do relógio valem a pena, muito embora a melhor atração seja mesmo o Sr. Mohammad. Ele e seu filho são, atualmente, as duas únicas pessoas que sabem fazer o relógio funcionar.

Um passeio pelo Summer Market e pelo Sadar Market de Johdpur

O enigma clássico indiano que emana das ruas das cidades do Rajastão confunde e enfeitiça quanto mais nos aprofundamos em seus cenários. Da praça para as vias escondidas por trás dela, os caminhos são uma sucessão de surpresas, de encontros e experiências. Arquitetura, arte, cultura, comida e gente, tudo tem o carisma especial que só se encontra na Índia.

Uma série de bazares especializados por tipos de mercadorias vendem de salwar kameez a móveis, de roupas de casamento e artesanato a calçados, de bordados, tecidos, marionetes e especiarias a alimentos, joias, brocados e pashminas, mais leite e queijo, chá, tâmaras, implementos agrícolas, frutas, verduras, legumes, produtos de beleza, flores, óleos e perfumes, especiarias, jelabi, comida e chai. cada qual tem seu nome: Sojati Gate Market, Nai Sarak, Mochi Bazaar, Kapraa Bazaar, Summer Market, Sarafa Bazaar. É preciso algum preparo para explorá-los, especialmente a companhia de um guia, pois são um emaranhado de becos antigos e movimento que confunde.

Uma loja de fantoches rajastanis me atrai especialmente. Os bonecos têm grandes olhos e roupas brilhantes, ficam pendurados por cordinhas à espera de alguém para lhes embalar e dar-lhes vida. Recordo-me das apresentações que já assisti e lembro de seus movimentos. Contam histórias dos tempos mogóis, de batalhas, romances, bravura e baladas. Ao fim da caminhada, paramos para beber um fabuloso lassi de manga com gengibre, cremoso e gelado no ponto certo, o melhor que provamos na Índia. Depois de uma hora numa loja de pashminas, encerramos a exploração dos bazares de Jodhpur.

No “caos feliz”, o Toorji Ka Jhalra, um suntuoso baoli

Ainda que pareça de outro planeta, quase uma insanidade coletiva, desorganizado na aparência, o caos que faz sentido e tem funcionalidade se dissipa assim que nos afastamos da praça e saímos dos mercados. Entramos na rua Tunwar ji ka Jhalra e continuamos por becos, até chegarmos a um grande largo onde fica Toorji Ka Jhalra, um suntuoso baoli escondido num canto da cidade velha. Poucos turistas vão até ali, apesar de seus setecentos anos de idade, intermináveis degraus feitos da mesma pedra dos palácios que conduzem a um abismo, profundo e fascinante, com pavilhões e colunas, que o torna uma preciosidade imperdível, cujo desenho intrigante tem padrão repetitivo e harmonioso. Não resisto à vontade e desço alguns degraus. Não chego à profundeza, onde fica a água verde acumulada, mas sinto o frescor. No Verão e nas monções, jovens mergulham dos degraus mais próximos à água e mulheres recolhem água em cacimbas. Observo e fotógrafo, deslumbrado, satisfeito, verdadeiramente realizado por vê-lo e registrá-lo na câmera.

Baoli Toorji Ka Jhalra

Tornei-me grande fã dos baolis desde a primeira vez que vi um destes. São construções inigualáveis que acredito só existirem na Índia. Quando programamos a viagem, selecionamos três que desejávamos visitar, entre eles o Tooriji ka Jhalra de Jodhpur, cuja lenda diz ter sido construído por uma rainha, embora a história registre que foi pelo Marajá Abhaya Singh, em 1740. Se eu tivesse dom artístico, reproduziria a imagem em rabiscos, a lápis ou em pinceladas molhadas numa aquarela em tons pastel. Registro como sei e posso, com fotos, exercendo o ato criativo que dura apenas um breve momento, o instante relâmpago, o dar e receber durante o tempo suficiente para nivelar a câmera e prender a presa fugaz em numa caixinha[1].

Baoli Toorji Ka Jhalra

Índigo blue, anil, azul. Para onde foi o azul?

Blue city?

Perto do baoli ficam as casas azuis. Eram tantas há alguns anos que deram o apelido à cidade. Diferentes explicações definem o uso da cor, embora pouco importe. Entre elas, a religiosa, pois seus residentes pertenciam à classe brâmane – a mais alta da sociedade hindu – e pintavam suas casas assim para distingui-las das demais.

Shiva também seria um motivo do azul. Afinal, o deus com corpo de homem e cabeça de elefante tem a cara dessa cor. Outra explicação mítica afirma que o fundador da cidade – Rao Jodha – mandou pintar as casas ao redor do forte para que a vista se parecesse com o mar. E por último, mas não menos importante, porque a cor azul protegeria as casas contra mosquitos, além de repelir a insolação, mantendo-as frescas.

Contudo, hoje, o apelido “Cidade Azul” parece inapropriado, pois o “mar” de casas da cor índigo que se estendia por uns dez quilômetros ao longo das muralhas da histórica cidade velha, hoje parece uma poça. O “bairro azul” já não passa de algumas ruas, mas ainda vale procurar por aquelas que insistem em manter o tom quase violeta, de anil, a cor de um dos mais antigos corantes usados pelo homem, cuja história começa exatamente na Índia.




[1] Henri Cartier-Bresson

ÍNDIA – Jaisalmer

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  Os  cenotáfios de Bada Bagh, periferia de Jaisalmer

                           ACORDO ao som de pássaros. O sol do deserto vazava a cortina e deixava rastros compridos no chão do quarto, como se me dissesse: “é hora de levantar”. O precursor de todo bom despertar é sempre uma noite bem dormida, então, levantei-me bem disposto e fui à janela de ferro e vidro. Avistei aves em algazarra disputando algo, talvez sementes, quem sabe, insetos escondidos num arbusto sem frutos encostado num muro de pedra da cor do deserto, do qual senti o cheiro seco e inconfundível.

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O Lago Gadisar, Jaisalmer 

                         O calendário acabara de mudar para Janeiro. A viagem começara 4 dias antes em Delhi, mas era ali, em Jaisalmer, que eu me sentira em férias, na última cidade da Índia antes do Paquistão, uma terra nua e seca no deserto Thar, nosso primeiro destino depois da capital, aquela adorável urbe consumidora da sanidade dos turistas, das buzinas, do trânsito alucinante, das experiências inigualáveis, dos tuk tuks, do patrimônio fenomenal, das imparáveis multidões e da comida de rua, um contraponto à notável, silenciosa, serena Jaisalmer.

                         Embora eu já à altura fosse um viajante com alguma experiência, e mesmo tendo estado na Índia duas vezes, não escapei das marcas daqueles dias intensos na frenética capital e das interferências em minha sensibilidade. Contudo, agora, com a areia beirando a janela do quarto do hotel de um só andar, sentia-me como se estivesse “descobrindo” a Índia.

                         O ar estava “limpo” e imóvel, não levantava poeira nem mexia com a copa das árvores. Fazia frio, estava seco, e a pouca umidade sentia-se na aspereza da pele.

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O forte de Jaisalmer

                          Concluí o adorável e fugaz conforto que a janela me proporcionara,  ainda que me reservasse uma simples nesga da cidade e fui arrumar-me para a segunda etapa da viagem, que ali ganhava novo ritmo, novos horizontes e descobertas Sabíamos que mesmo que aparentemente Jaisalmer não se comparasse à extensão patrimonial de suas concorrentes – Jaipur, Johdpur e Udaipur – era cidade a não perder. Sobretudo, de grande personalidade, irrepetível como em todo o Rajastão, com bom número de atrações: do forte Jaisalmer aos havelis, das fachadas de pedra primorosamente esculpidas, dos cenotáfios de Bada Bagh ao Lago Gadisar, da exploração das ruas e seus mercados aos templos jainistas.

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Os templos jainistas

                        Eu estava então tomado pela vontade de deixar logo o quarto do hotel para ver e sentir o que é bom, o que é mau, o que é belo e feio da “Cidade Dourada de Jaisalmer”, clichê do qual não se escapa, e se conseguir deste, não de outros: “Cidade das Mil e Uma Noites”, “Joia dourada do Rajastão”, etc.

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O bom e o belo: a cidade e seus habitantes

                            Jaisalmer é pequena e acolhedora, tem passado histórico, como todo o país, e em especial o Rajastão, mas particularidades. Desenvolvida em torno do forte, que domina a paisagem do alto da colina, quando adentramos a fortaleza por suas vias estreitas, ela sobressai. Pequena, mas com algo mais a conhecer, para além do óbvio. A atração maior, depois do forte, são os havelis Patwon Ki e Nathmal Ki, antigas mansões com fachadas lindamente esculpidas, dois entre os cinco outros construídos num cânion de havelis adoráveis e atmosféricos, um dos lugares mais atraentes e desafiadores para cliques fotográficos.

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No haveli, janela com vista para o forte

Os havelis Patwon Ki e Nathmal Ki

                          O Nathmal Ji Ki Haveli foi residência oficial de um ministro-chefe do rei. Tem uma história interessante, pois foi projetado por dois arquitetos. Para olhares ingênuos, a mansão de vários andares parece uma só, mas quando o guia nos aponta as diferenças, a casa parece assimétrica, ainda que única, com metades singularmente diferentes, todavia sem qualquer linha que limite a partição, com os dois lados carregando diferenças sutis. Diferentemente do Patwon Ki, o Nathmal Ji Ki não é um museu aberto ao público, então, visitantes só podem chegar até o pátio de entrada.

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                         Os dois elefantes de arenito do Nathmal Ji Ki Haveli são representações icônicas das esplêndidas esculturas arquitetônicas de Jaisalmer e do Rajastão. Os havelis, também, dos mais importantes do Rajastão, chegam ao topo da qualidade do desenho e da ornamentação arquitetônica civil, constituindo-se numa forma extraordinária de expressão artística, cujas jharokhas, ou varandas, são obras-primas do trabalho construtivo em arenito amarelo, verdadeiras esculturas em filigranas, perfeitos exemplos da riqueza do artesanato, que apesar de ser em pedra, é fino, elegante e detalhado.

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                         O Patwon Ki Haveli é outro exemplo convincente da  riqueza dos que ali moravam. Construído na primeira metade do século XIX, foi  o maior de Jaisalmer. Guman Chand Patwa, seu proprietário, foi um abastado comerciante à época, que encomendou a construção de cinco moradias nos andares do prédio para residirem seu igual número de filhos. No interior há pinturas decorativas nas paredes, esplêndidas, além de mosaicos espelhados. Contudo, sua fachada – uma escultura em arenito – é o que torna o haveli um ícone na cidade. Operado pelo governo, é hoje um museu com loja de antiguidades e artesanato.

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Um cânion de havelis

                         Aproximando-nos do haveli, vimos detalhes de suas varandas e fachada. Subimos o haveli por sua escada e outros detalhes intrigantes a ornamentação interior, decorado com pinturas e esculturas. Num nível acima, algumas salas vazias e pequenas janelas e nichos davam vistas para a rua. Apesar de não haver mobiliário e o estado geral não ser dos melhores, foi uma sensação de volta no tempo conhecer a antiga, autêntica mansão desde o interior. No nível mais alto, provavelmente o cômodo principal da residência, grandes janelas dão vistas para o Forte Jaisalmer. Depois, um terraço com uma vista ainda melhor e mais ampla. Descemos as escadas e voltamos ao vestíbulo de entrada, onde um belo pavão dava as boas-vindas aos visitantes.

Pelas ruas de Jaisalmer antiga

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A vaca e o tuk tuk

                        Voltamos à rua e vagamos pela labiríntica rede de vias pequenas da cidade antiga, desde os havelis  Patwon ki Haveli e Nathmal ji k Haveli até a região do Sadar Bazaar, passando por residências, comércio e ruas onde os moradores conversando, por pequenos templos e lojas, vendas e mercados de rua, por vacas passeando e às vezes até entrando nas casas. Apesar de estarmos numa região remota e desértica, a qualidade dos legumes e verduras era boa e surpreendentemente frescos e abundantes. Assim como em todo o Rajastão, vimos muitas lojas com roupas e artigos de casa e artesanais coloridos, de lanches, bolos doces e bebidas indianas, produtos de couro de camelo, antiguidades, bordados, cobertores, xales, tapeçaria, bonecos, caixas de madeira esculpida, lâmpadas de óleo e tecidos de seda e algodão.

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Convite de casamento

                        Os moradores locais acreditam que sendo Jaisalmer uma cidade pequena, onde todos se conhecem, a maneira mais eficiente de divulgar um casamento por acontecer é fazer um grafite diante de sua casa. Muitos comparecerão? Sim. E esta é uma peculiaridade de um casamento à moda indiana, convidar um a todos. Por gerações a tradição vem sendo mantida e preservada, inclusive pelas atuais. Independentemente, há beleza e charme na forma como eles são pintados nas paredes, de modo a terem se consagrado numa forma de arte popular e parte integrante da cultura local.

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Antigas moradias de abastados de Jaisalmer

A serendipitia e a fotografia

                        Entre esses caminhos serpenteantes, com velhas mansões, lojas de doces, de artesanato, mercadinhos, sujeira, vacas, muitas vacas, cães, restos, lixos e pedras no caminho, ruas com raras pessoas, cruzamos com Richard i’Anson[2], um dos maiores fotógrafos de viagens do mundo, do qual sou fã e seguidor no Instagram. Representante da Canon Australia, Canon Master Photographer, Embaixador da Fundação Australiana do Himalaia, membro da World Nomads, Mentor de Bolsa de Fotografia de Viagem da Austrália, um dos fotógrafos dos episódios Tales by Light, da National Geographic Channel no Netflix, diz ele, numa entrevista, que “a Índia está entre os cinco lugares que me fizeram”. Então, ali em Jaisalmer, na “esquina” com o Paquistão, rodeados pelo Deserto Thar, naquela manhã e naquele beco vinha ele em sentido contrário com sua câmera apoiada no ante-braço direito. Demo-nos conta disso segundos depois, e confirmamos a suspeita de que era ele que havíamos visto recolher a bagagem no mesmo voo que o nosso, um dia antes. Corri ao seu encontro e dobrei o mesmo beco em que ele entrara segundos antes.

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Com Mr. Richard i’Anson em Jaisalmer

                       Chamei-o:

Mr. Richard!, Mr. Richard!

                       Ele virou-se, e com a calma e uma simpatia que depois soube lhe ser habitual, ouviu minha apresentação, também com minha câmera à mão:

Sr. Richard, sou brasileiro do Rio de Janeiro, um grande fã e seu seguidor no Instagram, no Facebook e em seu site oficial. Assisti encantado algumas vezes ao seus episódios em Tales by Light. Estamos eu e mais três familiares viajando pela Índia, somos todos apaixonados por fotografia e quero dizer-lhe que é uma honra conhecê-lo.

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O falso sadhu mais famoso da Índia. Uma foto, uns algumas rúpias…

                       Surpreso, disse-me que esteve no Rio de Janeiro fazendo uma matéria sobre o Carnaval e que rodava o mundo fotografando festivais. Perguntei se podíamos fotografá-lo e ele respondeu com um sorriso. Foto feita, tietagem explícita consumada, saímos marcados pela serendiptia. Afinal, não é todo dia que se esbarra com uma personalidade de quem somos fãs, especialmente tão receptiva e simpática. Dali em diante ainda o encontramos acompanhado de sua esposa em duas outras oportunidades. Decidimos não mais abordá-lo nem o olharmos, a fim de evitarmos incômodo.

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Pelas ruas de Jaisalmer

NOTAS:

[1] Desisti de contar os que assim o faziam no corpo do texto, não no título. Que fique claro para o leitor que a cidade tem a mesma a cor do forte do deserto e das pedras de arenito, que “douram” tudo. Tirando, claro, as árvores, o céu, os carros, motos, as pessoas, as vacas e o artesanato, bem como os multicoloridos Ganeshas pintados nas paredes das casas

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[2]Página:https://richardianson.com/about-2/

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ÍNDIA – De Agra a Jhansi, de trem

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                PARA quem já foi à Índia, e lá tenha sentido despertar uma espiritualidade inquietante, daquelas mesmo, carregadas de todos os estereótipos possíveis de caber numa cabeça, com direito à crença em todos os deuses hindus, tão poderosa que o fez jurar que sua outra vida foi na beira do Ganges, duvido que seja um indivíduo que tenha “visitado” o banheiro público da estação de Agra. Não há espiritualidade ou crença capaz de resistir àquele lugar. Mesmo a indiana. Os contrastes da imensa espiritualidade com a realidade (o sistema de castas e de culpar sempre a mulher no caso de estupros) em parte deve ter nascido ali, no banheiro da estação de Agra.

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              Um turista brasileiro, por exemplo, mesmo o mais crente, desses que acreditam até no PT, em homeopatia, em medicina alternativa, em guru indiano, em ervas curadoras milagrosas, no poder curativo do pensamento positivo, em tarô, búzios, chupa-cabra, numerologia, na previsão de futuro, em quem diz “trago seu amor em três dias” e naquelas “consultas” com astrólogos que acertam tudo de sua vida,  ali reavaliaria suas convicções.

               No país dos sem privada, o banheiro daquela estação é o túmulo de qualquer crença. Nesta e nas vidas passadas. A experiência de visitar o lugar é a mais escatológica que alguém possa ter a “oportunidade” de vivenciar. Depois daquilo, não é de se estranhar que na Índia muitos prefiram “fazer” ao ar livre, que mais de 500 milhões de pessoas naquele país evacuem a céu aberto. Parte delas nos trilhos das ferrovias, especialmente no início da manhã, antes que as multidões circulem.

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                    A Estação Agra Cantt é movimentada, mesmo nas primeiras horas da manhã. Nem tanto naquele domingo, pois não havia multidões nas amplas plataformas, contudo, nunca se está só nestas paragens. Gente sempre tem. E ali, sentada nos bancos e no chão, com ou sem bagagem, ouvindo anúncios de chegadas e partidas, não era a estação exceção à regra. Fazia muito frio. E nós estávamos ali de pé junto aos trilhos, encostados no carrinho com nossas malas quando nos deu vontade de “visitar” o banheiro. Mesmo para nós, que já estávamos em peregrinação turística pela Índia há quinze dias, teoricamente enrijecidos pelas visões de pobreza e sujeira, de toda a sorte de heróis humanos e animais tentando sobreviver, lembro de cada minuto da espera do trem. Íamos para Jhansi, esperando que o banheiro da composição fosse frequentável.

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                    Nós quatro já estávamos um pouco debilitados pela ingestão de algum veneno alimentar intestinal. Dois de nós já tivéramos as tripas reviradas, noites “dormidas” no trono, algo que nem mesmo nossas farmácias de viagem bem abastecidas e as consultas à nossa irmã médica no Brasil deram conta. Os banheiros, nestes casos de indisposição, eram o último lugar onde imaginávamos ir em busca de alívio imediato. Não há novidade nisso, muitos já se falou e não pretendo alongar-me no terma, pois quem já leu qualquer relato de viagem à Índia, sabe que banheiros públicos são o pior lugar para o alívio de diarréias. Que dirá o daquela estação. Fosse descritível seu estado, embora verdadeiramente trágico, eu preferiria “fazer” ao ar livre. Então, é um inconveniente impublicável contar-lhe sobre ele. Gosto de desafios, mas este é inconfrontável.

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                  Minutos depois, já acomodados em nossos poltronas no vagão, fui “visitar” o toalete da composição. Para os padrões indianos, sobretudo para o que havíamos visto na estação, era um paraíso para turistas indispostos em seus tortuosos, mas maravilhosos dias de viagem pela Índia. Limpo e fresco, com duchinha e papel. E não era daqueles com buraco no chão, que alguns chamam de “bacia turca”, o vaso sanitário “embutido” no chão, você tendo que fazer suas necessidades agachado, muito embora seja bastante mais conveniente porque não se precisa ter contato com o local onde outra pessoa sentou antes. Este era com vaso “normal” e perfeitamente frequentável, apesar dos pesares.

                A viagem foi ótima. Chegamos bem em Jhansi, de onde fomos de carro à incrível Orcha e depois à adorável Khajuraho.

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ÍNDIA – De Jaisalmer a Jodhpur, no Outono de minha Primavera

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                          MUITAS vezes sinto que sou o lugar onde estou. Hoje sou Jaisalmer, no dia de meu aniversário e o quinto de nossa viagem pela Índia. A noite foi brilhante e o despertar um agrado. Descansado,  já não sentia a cama um cativeiro, tal como na noite da chegada. Mas este não sou eu; acordo e me levanto, muito embora o frio hoje convide à preguiça das cobertas.  O ar também contribui para o bem-estar: já não é mais tão carregado quanto o da capital, dá-me a energia com que saio da cama, louco pela janela, não pelo banheiro. Vislumbro a cidade e sinto-me bem, afastado da rotina doméstica, bem integrado à indiana, apesar da não tão boa experiência no deserto, ontem. Observo-o agora da janela. A cidade está ao fundo e ambos têm a mesma cor.

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                           Desertos sempre me inspiram. mesmo aquele. Se alguém duvida que desertos motivem poetas, escritores,  seresteiros, namorados e fotógrafos, deveriam conhecer qualquer um.  Mesmo o de Jaisalmer, que o turismo predatório subtraiu suas melhores oportunidades de experimentarmos o romantismo que consigo encontrar neles.  Mesmo ali, em que a mente não consegue mais perambular pelas fantasias, ainda é um deserto. Sem a mais remota possibilidade de lembrarmos dos contos de Sherazade, história ali morta e enterrada pelas rodovias barulhentas às suas portas,  por montanhas de camelos com turistas em cima, acampamentos luxuosos e outros nem tanto,  shows turísticos e barraquinhas com sonoridade bombando, jipes cruzando e evoluindo nas dunas discretas e músicos à caça de turistas, aproveitadores e vendedores, areias sujas de lixo, sobretudo restos mortais daquilo que alguém um dia comeu ou bebeu.

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                       A paisagem me aquieta a mente, leva a um breve balanço dos meus anos de existência. Hoje completo mais um, estou no Outono de minha vida,  de minha pequena eternidade,  embora me sinta na Primavera. A Estação já passou, e eu nem precisava saber, pois o corpo e a pele demostram, mas sobra-me entusiasmo, ainda que eu reconheça que o “caminho” é para o Inverno, derradeira Estação da minha vida. Às vezes aparento andar meio cansado da lida, mas o vigor natural e umas vitaminas me empurram. Estou feliz., especialmente neste dia dois de Janeiro. Por estar vivo, na Índia e na companhia de três pessoas queridas. Espero – como é natural para os que passaram dos 60 e se aproximam dos 70 – com menor ansiedade, maior serenidade, o que me aguarda esta quarta-feira.

                        Vou ao desjejum e no caminho escapo ao jardim do hotel. A hora favorece o monocromatismo. Tudo se colore do tom sépia. Temos uma hora para o desjejum, quando ao final sairemos para nosso longo dia de jornada a caminho de Jodhpur. Inauguraremos nossas incursões rodoviárias pela Índia, algo estimulante e novo até aquele momento. Tenho tempo. E o café no hotel é espartano. Quinze minutos são mais do que preciso para alimentar-me.

                     Estamos num hotel em trecho aparentemente interminável de um campo seco, na beira da estrada de Jaisalmer a Jodhpur, no topo de um declive rochoso, periferia da cidade, esbarrando na fronteira com o Paquistão. Parece o último lugar da Índia antes da “terra de ninguém”. Dunas comem o asfalto e nada parece poder viver por ali. Ainda assim, encontro beleza na aridez,  mesmo subtraído – no dia anterior – de todo romantismo de meu olhar.

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                      A partida para o próximo destino é esperada com intensa expectativa, porque estradas são parte das intensas experiências que se vivem na Índia. As distâncias ali são medidas não por horas ou quilômetros, mas por experiências vividas. Ali, como nas cidades maiores, o trânsito é caótico, mas tem uma harmonia sem conflitos com a desordem. Depois de uns dias na Índia a gente continua sem compreender, mas percebe que sabe-se lá como, os envolvidos alcançam serenidade em meio ao estado geral de desordem.  Enquanto espero, delicio-me com o contraste da luz do entardecer de ontem com o desta dramaticamente brilhante manhã.  A cidade aparece inteira, enche meus olhos de sua cor e colore do mesmo tom as casas que nos rodeiam. Surpreende-me a importância daquele momento, embora pequeno. Atribuo esta marca aos mistérios que só as viagens me reservam, seus delírios perenes e fugazes que tornam-se prazeres, grudam na mente feito papel em bala Halls.

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                       Começaremos em breve nosso primeiro trecho rodoviário da viagem, uma nova experiência a vivermos na Índia. Palak, nosso amigo indiano, dirige a Van e nos protege. Nos acompanha desde o primeiro dia em Delhi e assim o fará por todo o destino. Está a postos com o sorriso discreto e genuíno recostado orgulhosamente na confortável Van Tempo[1] de 8 lugares, veículo que só se encontra na Índia. A vencer, teremos 5 horas e estimulantes 283 quilômetros, tempo e espaço que separam Jaisalmer de Jodhpur, a “cidade dourada” da “cidade azul”, os cafundós da Índia do próximo destino. A direção a seguir é noroeste, via Pokharan, pelas rodovias NH11 e NH125. Outras aventuras rodoviárias teremos depois nesta viagem, mas a primeira tem o sabor do ineditismo. A primeira vez numa estrada na Índia a gente nunca esquece, tal qual o sutiã a mocinha do anúncio da Valisére nos anos 80.

                    Palak arruma nossa bagagem no espaçoso compartimento de bagagem do carro e nos pede para conferirmos. Depois, abre a porta para que entremos, estende a mão para alcançarmos os degraus e já ao volante, pergunta:

                   – Passaportes, óculos, celulares? Não esqueceram nada?

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Pela janela do carro 

                   Partimos. A maioria dos carros estacionados no hotel também. Alguns tomaram o caminho da cidade, outros o da estrada. Eu tinha muitas razões para acreditar que seria uma viagem com boas paisagens e emoções até Jodhpur. Nos afastamos do hotel e logo passamos a fazer parte do deserto. Viagens por estrada na Índia presupõem cada parada uma atração, uma jornada quase tão boa quanto o destino. Teremos tempo para rever e organizar as fotos no computador, trocar algumas entre nós, ler, conversar, comer, apreciar a paisagem e fotografar e, quem sabe, uns bons cochilos.

                   A viagem para Jodhpur corre bem, os companheiros já aparentemente integrados ao país, um alívio pessoal, pois livrara-me do peso da culpa por tê-los influenciado. Vê-los assim é um prazer adicional, já que viajar é algo muito pessoal, intransferível, e cada destino visto pelo indivíduo segundo sua própria maneira de enxergar o mundo.

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                    Arrumo um bom lugar para pôr minha caixinha de som bluethooth e aciono o celular para tocar minha play list no Spotify com a concordância de todos. Uma das canções mais lindas entre as que tenho é dos anos 1980, composta pelo talento incomparável de Pat Matheny, cantada por Pedro Aznar e chama-se Dream of the Return[2]. Enquanto toca, sigo seus versos:

                      …Viajar la vida entera, Por la calma azul o en tormentas, zozobrar, Poco importa el modo, si algún puerto me espera…

                  Minha imaginação progride quanto mais mergulho na canção e na paisagem. São dez e meia da manhã e suponho que umas cinco horas ainda nos esperem até o destino. Às vezes, não é tanto a duração da jornada que traz sentido às viagens na Índia, mas os marcos no caminho, um álbum cultural de experiências e imagens vibrantes, neste pedaço do subcontinente, um retrato do Rajastão.

                       “…Viajar a vida inteira, Pela calma azul ou em tempestades emborcar, Pouco importa o modo, se algum porto me espera…”

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                     Volto à estrada e me lembro da máxima indiana: To drive in India you need three things; good breaks, good horn and good luck[3].  A rodovia é boa, surpreende quem espera o caos no asfalto. É bem pavimentada, tem boa sinalização e longas retas. Contudo, nem sempre a mão de direção é respeitada, motivo de alguns sustos e surpresas que nos fazem colocar as mãos no encosto da frente. Às vezes nem parece rodovia, porque trafega bem mais do que se espera numa rodovia, além de carros, motos e caminhões, camelos, macacos, vacas, bicicletas, tuc-tucs, tratores, carroças e gente, muita gente. Nos congestionamentos ocasionais, acidentes, pedágios e a trilha sonora das buzinas que nos lembram o trânsito de Delhi. Aqui e ali, brilham as mulheres rajastanis com seus trajes – ghagras, cholis e odhnis[4] – como se a estrada fosse um passeio, o acostamento fosse a “calçada”. Caminhões sobrecarregados de pellets para indústria de plásticos trafegam como podem, invariavelmente com a inscrição Horn please[5] no para-choque e exercendo o buzinaço como lhes é natural. Ônibus apinhados fazem recordar latas de sardinhas, homens carregam feixes de lenha na cabeça, bancas de legumes e verduras ficam nas margens da estrada defronte a vilarejos, carroças puxam-se por búfalos e carregam gente e mercadoria. Na Índia, a estrada pertence a todos.

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                   O trânsito do qual tanto se fala, sobretudo nas grandes cidades, para o desavisado visitante parece não obedecer aos sentidos lógicos de organização. Mão e contramão são regras subjetivas. É surpreendente, mas alguns dias no país e o curioso espectador consegue notar seus códigos, as convenções informais, a funcionalidade da bagunça. Se não fosse assim, não funcionaria, travaria. E ainda que do jeito peculiar indiano, lento e cheio de perigos, não é impossível perceber que regras existem, ainda que informais, algo bem definido no livro de Andrew Solomon[6], ”Lugares distantes: Como viajar pode mudar o mundo – que em alguns lugares do planeta”: Os únicos que dirigem em linha reta parecem ser os motoristas bêbados.

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                  Até então não encontrei guardas organizando a loucura. Nem mesmo nas cidades, o que é surpreendente para quem vem de uma megalópole como Delhi. Tampouco radares aplicando multas ou agentes de trânsito. Se existem, não os vi. Assim como nenhuma briga de trânsito. Se há governo na Índia, ele não aparece nas ruas controlando o trânsito, porque ele parece tocado por cada indivíduo, seguindo regras populares. A maneira mais fácil de compreendê-las é com a observação. Por exemplo, as buzinas. São irritantes, ensurdecedoras, infernais, extenuantes. Mas não são “loucura”, fúria levada a cabo por condutores desesperados. Não. Buzinaços ensandecidos ocorrem sim, quando por exemplo alguém atravanca o trânsito, mas, em verdade, regularmente há um código complexo o bastante para ser plenamente compreendido e praticado apenas indianos ou expatriados. Os toques nas buzinas têm múltiplas funções. Das mais óbvias – pedir passagem, avisar de algum risco (algo como “estou aqui”) – às mais informais: cumprimentar (“olá!”). E parecem existir hierarquias, tais como os mais fortes, os médios, os mais fracos. Em linhas gerais, quando dá, os mais lentos usam a pista esquerda e os mais rápidos a direita. Mas, não sei porque motivo, os tuk-tuks trafegam pela faixa central. Sempre que precisarem, por qualquer motivo, passam para outras pistas, mas retornam à sua assim que der.

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NOTAS:

[1] Force Motors Limited, montadora indiana de automóveis, conhecida como Bajaj Tempo Motors, joint venture com a Bachraj Trading Ltd. e a alemã Tempo e parcerias com as alemães como a Daimler, ZF, Bosch e a MAN.

[2] Dream of the Return – Álbum “Letter from Home” (1989) – Pat Metheny Group – Pat Metheny: Acoustic and Electric Guitars, 12 String Guitar, Soprano Guitars, Tiple Guitar. Pedro Aznar: voz

[3] Ditado popular indiano: “Para dirigir na Índia, você precisa de três coisas: bons freios, boa buzina e boa sorte”

[4] Ghagra, saia longa bordada e plissada, colorida, estampada, de seda, algodão ou crepe. Kanchli (ou choli ou kurti), vestimenta da parte superior do corpo, colorida e lisa, coladas no corpo. O toque étnico é dado por enfeites como espelhos, miçangas, lantejoulas, corais, conchas e bordados. Odhni, ou chunar, é um pedaço longo de tecido, com 2,5 metros de comprimento e 1,5 de largura, usado como véu, feito em tecido leve e transparente, bordados com contas ou outros enfeites.

[5] Buzine, por favor

[6] Andrew Solomon, um dos pensadores mais originais de nossa época, reúne neste livro escritos sobre lugares que passaram por abalos sísmicos culturais, políticos ou espirituais, um escritor de política, cultura e psicologia que vive em Nova Iorque e Londres e colabora com The New York Times, The New Yorker, Artforum, Travel and Leisure, e outras publicações.