QUÊNIA e TANZÂNIA. Do Masai Mara ao Serengueti

Uma linha bastava para descrever a perfeição dos dias no Maasai Mara: o lodge, sua equipe muito distinta, a comida, as vistas privilegiadas desde o topo daquela escarpa altiva, nosso chalé-cabana, leões e hienas próximos ao acampamento e os espetaculares safaris.

Se numa viagem naturais expectativas e deslumbramentos, também algum desapontamento, que para mim fora irrelevante. Se por um lado eu os reconhecia como os dois melhores dias da viagem até então – embora merecimento houvesse de elogios a todos os anteriores – me prendia o reconhecimento, mesmo que eu sentisse a vibrante expectativa pelos próximos destinos.

Há lugares assim, que nossa mente idealiza e por eles passa a esperar. Não haveria de ser diferente como os próximos e mais desejados – Serengueti e Ngorongoro – embora o Masai Mara terminasse consagrando-se um dos troféus de toda jornada, o que não é pouco, verdadeiro espólio de tudo o que há de África subsaariana, dos safaris aos animais selvagens, dos big five às belezas das savanas.

Sem a petulância de desdenhar de um ou de outro (todos me agradaram), eram aqueles que estavam por vir – embora com eles também o lugar que deixávamos agora – os que me fariam perceber que a África estava ficando em nós.

A viagem progredia sucessivamente tornando-se melhor e mais encantadora dia após outro. E se de toda viagem sabemos que um dia chegará seu fim, eu tratava de registrar aquela com cuidado, num lugar macio da memória, fosse em imagens oculares, fosse nas fotografias e filmes, o meu jeito de perpetuar tais experiências.

Já havia raios plenos no céu do Mara Triangle, que saturado de tanta luz fazia tudo parecer aceso. E embora assim, e em África, a temperatura às oito da manhã se sentia com serenidade. Em fevereiro, no Quênia, o clima intervala entre perfeito e bom, e era como o sentíamos todas as manhãs ao nos prepararmos para a saída. Naquela, em direção a Isebânia, no Quênia, na fronteira com a Tanzânia.

Entre ambasIsebânia e Sirari, Tanzânia – ficam as respectivas Border Crossing Stations. Na primeira obtivemos os carimbos de saída, nos despedimos de nossos motoristas e jipes e entregamos-lhes um envelope com a gratificação em dinheiro de todo o grupo. Depois, a pé – carregando nossas malas – atravessamos a fronteira. Pense numa caminhada longa e exaustiva. Não foi assim. Cinco minutos bastaram, talvez menos, para sairmos do prédio da imigração queniano e adentrarmos o da Tanzânia. Escaneadas as malas, apresentamos os certificados internacionais de vacinação e fomos aos guichês solicitar os vistos de turistas, pelos quais pagamos cinquenta dólares americanos.

Com os vistos estampados nos passaportes, em poucos minutos eu já me sentia noutro país, embora sempre em África pura, contudo, com novos jipes, motoristas, gente e seus jeitos e posturas, e paisagens.

A estrada ia entre cidades e campos, entre gente e animais e com as paisagens ficando para trás dos vidros dos jipes, como se fossem devoradas lentamente por sua velocidade.

Cento e poucos quilômetros e três horas depois pararmos em Tarime, uma cidadezinha onde comemos o que havia em nossos lunch boxes, acompanhados de cerveja Kilimanjaro ou de Coca-Cola. Encerramos o breve stop com chave de ouro: comprando vinhos franceses e tanzanianos numa venda local, que seriam apreciados à mesa à noite, no jantar, em nossas habitações e até dentro dos jipes com “taças” improvisadíssimas, mas com muito gosto.

Seguimos a estrada ao destino, e a 48 quilômetros de Tarime paramos numa ponte sobre o rio Mara, num vilarejo entre Matanka e Nyansurura. Avistamos uma linda tartaruga-leopardo (Stigmochelys pardalis) no meio da estrada e crianças ainda mais encantadoras caminhando. Pararam e fomos até elas para fotos e abraços.

A viagem de carro pela estrada em direção ao Serengeti revelava-se uma experiência de descobertas e de novas experiências, de paisagens verdes, de vilarejos vibrantes e coloridos, de pessoas acenando e transmitindo a hospitalidade tanzaniana, de planícies com manadas de animais domésticos, de serenidade na vida que seguia.

Nos aproximarmos dos portões do parque nacional do Serengeti e sentimos a mudança na atmosfera, com a luz mágica do fim da tarde aquecendo a temperatura de cor, depois de um dia inteiro com luz se estendendo por todo o caminho. Paramos e apreciamos o momento enquanto os motoristas-guias resolviam as questões burocráticas para nosso ingresso no parque. Talvez tenha sido o lugar onde mais tiramos fotos de nós mesmos, isoladamente ou em grupo, talvez sem sabermos o quanto seriam apreciadas depois em nossas casas.

Recostei a cabeça no apoio do banco, fechei os olhos e pus-me a imaginar o lugar onde estávamos prestes a chegar: o Ikoma Tented Camp, acampamento localizado na região de Ikoma, no norte da Tanzânia, na fronteira ocidental do Parque Nacional Serengeti e próximo ao Ikoma Gate. O sol descia no horizonte, belo e atraente como sempre.

A África estava em nós

Tendas muito rústicas, mas espaçosas, com bom conforto, água quente nos chuveiros, cama com lençóis e travesseiros limpos e mosquiteiro ao redor, móveis rústicos e simples nos abrigariam por uma noite. Havia um filtro de linha com tomadas, luz elétrica, toalhas limpas, chuveiro e banheiro bons para o padrão cabana e wi-fi no restaurante.

À noite, guardas ficavam perto das barracas para cuidar que animais selvagens perigosos não se aproximassem. Eles também acompanhavam os hóspedes do quarto ao restaurante e assim faziam à volta. Era o que nos dava uma sensação plena de que estávamos dormindo numa barraca no meio da savana, sem cercas entre os animais que a habitam.

Defronte tínhamos vista para a planície aberta, que se não era arrebatadora como no Masai Mara, estava ao nível do chão e sem qualquer tipo de cerca limitando a vida selvagem chegar até nossos pés. A noite foi bem dormida, com ruídos bem sutis de animais, sendo, aparentemente, os grilos os mais audíveis. Estávamos no coração da vida selvagem africana, algo único e encantador, especialmente por ser no Serengeti, um cenário de maravilhas naturais.

As estrelas brilhavam intensamente, num espetáculo magnífico sob a agradável brisa que ondulava o mato à frente e trazia os cheiros tão únicos da savana africana. A sensação de paz e de serenidade era notável, um ambiente perfeito de calma que sugeria uma noite de saudável, profundo sono. Sentado por uns minutos antes do sol se por, na cadeira rústica da varanda da cabana, olhando o céu e a savana, em me sentia como Langsdorff explorando o mundo nos séculos XVIII e XIX.

Creio que pessoa nenhuma ali entre nós tivesse deixado de sentir o mesmo. A África estava em nós. Mais uma vez, ainda que naquela noite as fibras do meu coração não houvessem tremido ao som de leões e hienas junto à nossa cabana.

Um dia de safari no Serengeti

O safari não era novidade, nem assim os animais, senão a paisagem. Esta sim, fascinante e diferente. O dia começou como todos, cedo, e com o nascer do sol, um bom café em grupo, cumprimentos calorosos e o céu enchendo o horizonte de tons avermelhados e alaranjados, momentos que embora corriqueiros, sempre se renovavam encantadores. A expectativa era entre as melhores, pois estávamos prestes a embarcar na jornada pela icônica reserva de vida selvagem da Tanzânia, talvez a mais reconhecida do planeta África.

O jipe com o teto aberto nos permitia, como sempre, uma visão limpa e livre, panorâmica, de todo o ambiente. No Serengueti, para além da já nossa familiar vastidão de planícies, nos presenteava com formações rochosas imponentes, inaugurando uma nova geografia presenciada dos jipes. Assim que saímos do acampamento avistamos os primeiros animais selvagens, manadas de gnus e zebras se movendo em harmonia, pastando nas gramíneas altas, além de grupos de girafas com seus sempre elegantes porte e caminhar, pescoços alcançando as folhas mais verdes das árvores ou atentas ao horizonte.

E de elefantes majestosos como sempre, atravessando o terreno defronte aos nossos jipes, cujos motoristas comunicavam-se com outros por rádio, compartilhando informações sobre os avistamentos mais recentes, sobretudo leões, leopardos e chitas.

A visita ao The Tanzanite Experience foi uma bela oportunidade de aprendermos muito acerca daquelas preciosas, valiosas, belas pedras. Saindo dali, começamos a avistar famílias de leões descansando sobre elevações rochosas ou tomando sol à beira de um lago. Por vezes solitários, descansavam à sombra de uma acácia. E de hipopótamos, que refrescando-se em lagos de pouca profundidade, tinham seus dorsos para fora, parecendo ilhas de pedras. Uma encantadora, esguia, elegante chita sobre uma formação rochosa tinha o olhar atento ao horizonte, uma visão fascinante entusiasticamente registrada em dezenas de cliques.

Não era tudo, senão bem mais o que se poderia esperar encontrar no Serengueti, da vida selvagem ao fabulosa geografia. Ao meio-dia fizemos uma pausa para almoço ao ar livre, com olhos atentos à paisagem e compartilhando nossas aventuras entre o grupo.

À tarde retornamos ao acampamento, que no dia seguinte seria num outro lodge, para uma exploração de nova região do imenso Serengeti – no Nduto Camp – base para nossa exploração de uma belíssima área do extenso parque nacional, de onde novamente nos mudaríamos um dia depois para uma exploração encantadora da cratera de Ngorongoro, quando então seria hora de pensarmos em nosso retorno a Nairobi, para a última noite da viagem.

Sentei-me na cadeira rústica da varanda da tenda, pouco antes do sol se pôr. Contemplei o céu e a paisagem daquela porção do Serengeti com calma, especialmente encantado com o dia em que avistamos tantos animais no safari.

Esperei o anoitecer e percebi que aquela, apesar de singela, comsagrava-se numa experiência poderosa. A emoção foi a combinação de entusiasmo com serenidade, de conexão com a natureza e a sensação de pequenez diante de sua imensidão.

À medida que o sol se punha, a paisagem ia se transformando até uma atmosfera fascinante me envolver e dominar. Difícil descrevê-la, emocionante lembrar-me dela.

Quando o sol desapareceu completamente, lembrei-me de que era hora de seguirmos para o jantar, embora eu estivesse tomado pela admiração e beleza do lugar, desejando permanecer. As primeiras estrelas começaram a se deixarem notar, mas também as vozes vindas da cabana principal do restaurante, sugerindo que deveríamos nos juntar ao grupo.

Levantei-me com uma última olhada para o céu e a savana do Serengueti, sentindo-me como um membro da expedição Langsdorff, no início do século XIX, ou provavelmente o próprio, com uma mistura invulgar de fascínio, de entusiasmo, curiosidade e senso de aventura, embora longe dos desafios por eles enfrentados.

Fui dormir com a África em mim, sonhando com coisas do imaginário e da realidade.

Asante*, África!

* Obrigado, em Swahili.

Quênia e Tanzânia – Bom dia, Masai Mara!

O som do despertador foi uma intrusão dura na quietude de meu cérebro e de toda a cabana. Depois de uma noite de estrelas cintilantes com vistas para o Grande Vale do Rift – uma paisagem cinematográfica escandalosamente defronte à minha varanda – o sol acordou sem preguiça, embora eu ainda sentisse o peso da noite agitada pelos urros de hienas e rugidos de leões alarmantemente próximos de minha cama.

Nem preciso dizer que aquilo teria sido o bastante a qualquer um deixar de dormir, contudo era só o Masai Mara se apresentando selvagemente, como afinal eu queria e ele sempre o faz. Mas certos acontecimentos são o que fazemos deles, então, não foi exatamente uma batalha entre a minha vontade de viver o momento e a consciência de que eu precisava dormir, senão alguma indecisão entre convencer-me da necessidade de repousar ou deixar que a aventura me deixasse desperto.

Pela manhã as coisas se acalmaram, ao ponto de que eu nem me lembrava de outra em que eu acordara tão feliz por estar na África. Não, aquilo não fora um sonho, senão algo tão real quanto a serenidade daquela manhã, tão perceptível quanto a temperatura fresca sentida sob o lençol e tão notável quanto a minha fome e a vontade de comer o desjejum.

Levantei-me com os sentidos inteiros e levei a cara amassada até o espelho, sem saudades de casa. Pelo menos, ainda não. Comecei assim o preparo para a exploração do poderoso Masai Mara – o Santo Graal dos safáris no Quênia – nada menos que 1510 quilômetros quadrados de savanas habitadas por uma infinidade de tipos de animais. A visita a uma tribo Masai, na periferia da reserva, consagraria o sítio como um dos melhores para o visitante perceber os dramas das sobrevivências selvagens e humanas, onde a vida segue progredindo incessantemente, por vezes uma escolha entre matar ou ser morto.

Precisava de um café, o combustível que abastece meu vício, o que por ali, além de prazeroso, era tomado à mesa do desjejum com o grupo, uma alegria adicional renovada a cada manhã, coroando o fim do despertar, anunciando o começo das atividades do dia. No caminho da tenda ao salão de refeições, uma lojinha de artigos masai – com tecidos a bijuterias – me fez recordar que se eu não aproveitasse a hora, à noite estaria fechada. E, provavelmente, sem a zebra à sua porta.

Pronto! Café tomado e lembranças adquiridas, o que queríamos estava lá fora: o safari, ou game drive como costumam tecnicamente denominá-lo. Para ver os cinco grandes: elefante, búfalo, leão, leopardo e rinoceronte, os quais sempre haveria antes a sorte, porque de nós não dependiam os encontros.

Fosse lá com que nome ou para que animais admirar, os games eram sempre experiências fabulosas, presenciar a dura brutalidade da vida selvagem, de animais em bom número nos ignorando e seguindo sua sina diária entre comer e não ser comido.

Logo estaríamos em nossos jipes com os tetos levantados para vivermos aquilo que minha capacidade de descrever é mínima, mas de sentir, uma entre as maiores da vida. Apesar de que não estávamos na época da Grande Migração, eu já havia compreendido que ela não era tudo, que qualquer altura do ano proporciona encontros excepcionais. E não me refiro apenas aos óbvios mais de um milhão de gnus e zebras em busca de mato verde do outro lado do rio.

Deixamos o lodge no Mara Triangle em direção ao Masai Mara National Game Reserve com o sol ainda nascendo. Eram 6:45 e ele subia no horizonte em menor velocidade do que o avistava passando à janela do jipe. Em pouco mais de 20 minutos chegamos ao Portão Musiara, com alguém tentando vender um colar ou pulseira, que sempre comprávamos.

Dentro da reserva seguimos duas linhas negras riscadas no verde gramado, a que poderíamos chamar de trilha, por onde as rodas de todos os jipes tentavam se manter a fim de provocarem o menor impacto possível no solo. De tal maneira que às vezes até atolavam-se nelas, devido aos profundos sulcos que cavavam seus pneus no solo negro.

As linhas encontravam-se graciosamente no fim do horizonte, quando convergiam tornando-se uma só. Havia apenas pasto, e nem mesmo um só monte de térmitas – ou cupinzeiro. O cenário era o que nenhuma fotografia conseguira até então tornar mais fabuloso do que vivenciar. Olhei para a direita e depois para a esquerda, e até o fim da vastidão do parque, nenhuma outra igual avistei.

Em dez minutos encontramos os primeiros leões. Belíssimos animais adultos e saudáveis caminhando com seus pelos dourados reluzindo ao sol. Tão diferentes dos que nos acostumamos a ver em zoológicos, embora aparentemente um pouco magros. Ativos e tão próximos que pudemos ver suas presas afiadas e línguas pendentes, ouvir suas respirações. Sequer olharam para nós, nem mesmo com desdenho.

A curta distância, gnus inconscientes do perigo pastavam, enquanto uns espreitavam com olhos largos a superfície da vastidão. A natureza seguia seu curso e cada novo encontro se convertia no novo mais belo momento do dia: hipopótamos cochilando em piscinas não muito profundas, macacos bagunceiros nas árvores e no chão, elefantes, zebras, gnus, búfalos, hienas, chetas, topis, gazelas de Grant e de Thomson, além de uma riqueza inesperada de pássaros.

Com nossos olhos selvagens, atentos es exploradores, com a mentes inquietas, embora os corpos serenos, seguimos placidamente deslizando pela savana ouvindo o som dos pneus dos Land Cruiser no cascalho da estrada. Sentíamos uma brisa suave entrando pelo teto aberto enquanto observávamos o belo, límpido azul azulino. Mais adiante paramos diante de um lago onde hipopótamos com apenas os dorsos aflorados na água pareciam ilhas de pedra escura. Olhei para o espelho de água e ambas as imagens – a presencial e a imaginária – pareciam reais.

Continuamos na direção do campo de pouso Musiara por um ecossistema em que até um besouro parece essencial. Chegamos a uma pequena aglomeração de jipes e avistamos búfalos e leoas espreitando-os escondidas em moitas. A cena parecia promissora, desenhava-se o ritmo do que todos ali desejavam, sobretudo pela equipe de filmagem de algum Nat Geo num jipe e enorme equipamento filmagem sobre a caçamba de uma picape, esperando a sorte de registrar um ataque dos felinos.

Mas naquela manhã os búfalos estavam espertos, de modo que depois de muito tempo ali sem que nada mais acontecesse, decidimos seguir em frente por um lugar que se apresentava como microcosmo das reservas do Quênia. Para além dos numerosos gnus, zebras, antílopes e seus predadores, elefantes, girafas, hipopótamos e uma dezena de outros animais.

A velha ordem selvagem se renovava a cada dia ao alcance da vista, à meia-distância, no horizonte mais distante ou entre as árvores, num pasto alto, num arbusto à beira da estrada ou no chão próximo ao carro, numa chita solitária empoleirada, num leopardo sobre uma árvore, numa família de javalis atravessando freneticamente a savana aberta.

Cruzamos um pequeno rio e encontramos uma grande manada de topis. Depois, outra de búfalos e, mais adiante, uma família de hienas em volta e dentro de uma poça de lama. Seguimos os avisos do rádio e nos dirigimos até uma árvore solitária em cuja sombra descansava um leão igualmente só.

Afastava-se, sob o sol, em direção a um arbusto onde guardava uma presa que aquelas hienas tentavam roubar. Seguimos e avistamos elefantes, mais adiante um belíssimo leopardo em movimento e pulando sobre um pequeno lago. Nos aproximamos e o vimos bem de perto, ao ponto de notarmos uma pelagem intacta de um animal jovem e saudável.

Estávamos próximos à divisa do Quênia com a Tanzânia, onde o Masai Mara passa a chamar-se Serengueti. Estacionamos os jipes na margem queniana do Rio Mara, num dos pontos onde ocorre a frenética travessia dos gnus na Grande Migração, defronte ao Hippo Pool Viewpoint, onde avistamos a maior concentração daqueles animais. Descemos dos carros, passamos pela ponte Purungat até o Sekenani Gate e fizemos uma caminhada pela margem do rio, acompanhados de guardas armados, num lugar chamado Condado de Narok, a poucos passos do território tanzaniano.

Fizemos fotos no marco da fronteira entre Tanzânia e Quênia e seguimos até o portão Oloololo para sairmos definitivamente do fabuloso Masai Mara. Retornamos ao nosso ótimo lodge, de onde na manhã seguinte continuaríamos nossa jornada, desta vez em direção à Tanzânia. Um pôr do sol fenomenal, uma noite agradável, um jantar delicioso e muitas conversas sobre nosso intenso dia de safari encerraram nossa estada no Masai Mara. Saudades? Ora…

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A seguir – Dia de Estrada para a Tanzânia, rumo ao Serengueti

Quênia e Tanzânia – Masai Mara – Naquela manhã dourada

Fosse outro, talvez eu nem falasse, mas se tem uma coisa que eu não aconselho é ignorar um pôr do sol. Seja qual for. Um daqueles, então, de uma surrealidade real, seria um desperdício dos melhores. Como se não bastasse, depois abriu-se um céu de estrelas cintilantes. Do lado de fora, estava eu confortavelmente instalado na cadeira da varanda com os pés ‘pra cima, um olho no céu e outro ao redor. Leio uma placa: “Atenção: Zona de vida selvagem. Caminhe ou corra por sua própria conta e risco”. A mente me dizia “seja forte, fique”, mas não, não fui. Cedi ao medo. Resolvi entrar e me preparar para dormir. E foi até coisa bem expressa, de adormecer logo.

De madrugada acordei com rugidos de leões, com uivos de hienas, sons de cascos de zebras e o estímulo de pensamentos lógicos: “atrás de uma zebra vem sempre um leão; e deste, uma hiena”. Ouvi meu coração acelerando, parte excitação, parte preocupação. Resolvi parar o mundo com uma borracha de ouvido. E deu certo: acordei com a luz do astro rei invadindo a tenda. Levantei-me sem abrir a porta da cabana e avistei uma paisagem com as cores de uma paleta perfeita. O cheiro também, era de manhã. Quero dizer, ali é de perceber que difere da tarde e da noite.

O Masai Mara embaixo estava estonteante, mas convidava ao banho, ao desjejum e ao safari, em vez da contemplação desde cima, senão para ser vivido e experimentado. A natureza daquele ângulo parecia mais fluida, não forjada pela intervenção humana e com toda a sua impiedosa realidade tocando mesmo os mais duros corações de pedra. Não dava para deixar de pensar no besta privilégio que era estar ali àquela hora.

Olhei para cima também. Avistei um céu de brigadeiro, copas de árvores ao redor, passarinhos fazendo delas seu play ground e cada qual dizendo suas coisas. Que eu não compreendia, claro, porque não falo passarinhês, mas que era bonito, era. A vista era dramática e o ambiente que entrava pelos olhos também ia à mente, invadia o quarto, o mundo, a galáxia.

Até ali, aquele lodge fora o lugar onde dormimos mais impregnados de natureza, mais proximamente rodeados por ela, fazendo sentir sem parar a experiência de mato, numa das menores densidades turísticas e de veículos, devido ao volume gerenciado e aos rígidos planos de uso do solo.

Tudo parecia normal. E estava. Correndo a seu ritmo, diferenciado, segundo cada animal, pássaro, inseto ou réptil que o habita. Todos em suas rotinas diárias, fazendo seu duro trabalho, porque a vida de nenhum não é nada fácil na savana. De escaravelhos de esterco rolando bolas de cocô de elefante – coisa que até então eu só vira no Animal Planet – a antílopes graciosamente abanando seus rabinhos de olhos e ouvidos bem abertos, porque desde que nascem sabem: são os nuggets da selva. E de topis – o antílope pra lá de estranho, cabeça alongada, dorso caído feito de hiena, chifres anelados e em forma de “L”.  E gazelas de Thompson, outro aperitivo de leão. E javalis, e impalas, famílias numerosas de elefantes guiados por suas matriarcas, de gnus, zebras, girafas e búfalos a leões, guepardos, leopardos, hienas, chacais e kudus. Certamente esqueci de algum.

Chuveiro rápido e me preparo para o dia. E enquanto aguardo a esposa terminar o seu, caído de amores pelo lodge, por ela, pela vida e pelo safari, sento-me na varanda sentindo a brisa acariciar a pele com olhar perdido no hipnótico horizonte. Saboreio o momento exemplar da natureza e da minha vida de viajante, mas sinto mais é a avidez por sair logo para a aventura do dia. Talvez eu até passasse um dia inteiro ali vivendo daquela natureza, especialmente elegante. Mas a viagem não era de esperas que pareciam alongar a brevidade.

Posso parecer romântico, mas só quem sentiu aquilo sabe o que foi. Depois, enquanto tomávamos nosso café da manhã, perguntei aos outros se ouviram leões e hienas. De quase todos, sim. Depois do café, logo às caras da porta do lodge, o safari no Masai Mara, mais que a busca de animais, uma verdadeira fantasia africana das savanas, onde não há caminhos a evitar, coordenada de GPS a não seguir ou trilhas a fugir em busca nada mais nada menos, que dos “Cinco Grandes da África”: o rinoceronte negro, o búfalo, o elefante, o leopardo e, finalmente, o leão. Mas foram mais, bem mais. Te conto e mostro daqui a pouco, no próximo capítulo.

OBRIGADO!

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A seguir – Um dia de ver todos os animais

Quênia e Tanzânia – Masai Mara – A árvore solitária

Ela grudou feito chiclete em sola de sapato. Eu quase sabia de cor e salteado a letra da bendita música: Jambo, Jambo bwana, Habari gani, nzuri sana, Wageni, Mwakaribishwa, Kenya jetu hakuna matata… a canção queniana, lançada em 1982 pela banda Them Mushrooms que tem no título uma saudação, que em swahili traduzido fica “Olá, senhor”. A danada tornou-se “minhoca de ouvido” e vivia saltitando na mente. À tarde no jipe, de noite na cama, durante o café da manhã e até no chuveiro. Às vezes era divertido, outras, bem…

Jambo, Jambo bwana, Habari gani, nzuri sana

Aprendi outras palavrinhas na língua deles: tembo – pra elefante, simba – pra leão, twiga – pra girafa e tumbili, o macaco. Mas, voltando à música-chiclete, a razão de seu grude era óbvia: minha exposição a ela, de tanto que a cantavam e, pelo que sei, porque era agradável ao cérebro. Não fosse ela – senão outra coisa e outro dia – talvez eu não me lembrasse tão bem daquela primorosa manhã de nosso primeiro safari no Masai Mara. Com a música agarrada “resolvi” me desligar e fui espiar a savana, concentrar-me em sua beleza. Sei lá se foi assim, mas a verdade é que ela resolveu sair de mim e colar noutro.

A árvore solitária

Chegando à savana, pensei em tantos lugares que já passei na vida e eles ficaram em mim. Como cicatrizes. Dos desertos às montanhas, das florestas às cidades, dos templos aos animais. Pessoas também, principalmente. A intensidade das cores daquele lugar tão especial parecia torná-lo mais um desses que viveriam para sempre nas minhas entranhas. Renovavam-se as expectativas de belos encontros no Triângulo de Mara e na Reserva Nacional Masai Mara. De animais, não preciso dizer. Mas foi uma árvore. O que mais gravei daquele dia – afora a bendita música – foi uma árvore.

Tem explicação. Sempre gostei delas, desde quando eu era moleque. Ainda as admiro e quero bem, devo dizer. Eu não podia ver uma que me dava ganas de subir. Peguei o jeito nas amendoeiras defronte à minha casa, na cidade do Rio de Janeiro, onde aquela urbana criatura verde era tão comum que parecia originária. Quem não é da minha cidade talvez não saiba que das 20 espécies mais frequentes na cidade, a Amendoeira (Terminalia catappa) é a primeira da lista, com o maior número indivíduos em toda a urbe. Depois virei craque e escalei de mangueiras a abacateiros. Da fazenda da Tia Manú, em Minas Gerais, ao sítio da Tia Cecília, no Estado do Rio de Janeiro.

A acácia solitária levava sua existência naquele vazio encantador. Uma águia pousada em sua tímida copa parecia ser sua única companheira. Não tinha vizinhas, não tinha filhas. Era de uma solidão de dar dó. Parecia conformada com seu estado e realidade, ainda que sem aparentar indiferença ao mar de savana, à imensidão de verde em três tons que a rodeava por, sei lá, quilômetros. Estava acostumada, embora não deva ser fácil viver assim – nem mesmo para uma acácia – contemplando o nada, uma realidade vestida de pureza, embora um despudor a sua pobreza.

Nem de alimento servia a pobre estrutura: era pau puro, sem folhas, apenas espinhos, da qual sequer as girafas se aproximavam. Tinha sua beleza, ainda que seu raquitismo anunciasse um fim próximo. Não parecia mesmo ter serventia. E não tinha escolha, era seu destino, já que era uma árvore, não podia percorrer a savana, afastar-se como os gnus em migração. Nem majestosa era. Não tinha ninhos e sequer sombra produzia. Mas contribuía generosamente para embelezar magnificamente a paisagem. E assim, como a música, feito chiclete em sola de sapato, aquela árvore grudou em mim.

A seguir

O fabuloso Masai Mara

Quênia e Tanzânia – Masai Mara e O Triângulo Masai

Mambo jambo (as coisas importam)

A viagem ia em meio com os dias parecendo mais doces a cada nova manhã. Aquela, particularmente, começou com todos os passarinhos do continente cantando juntos, num céu transparente que nem vidro, coisa de já dar saudades da África, mesmo acordando nela. Gosto assim, quando um pensamento, de tão intenso e precioso, se faz sentir no peito. Talvez fosse o meu estado de espírito, é verdade, mas também era o dia da partida em direção ao Eden da vida selvagem no Quênia – o Masai Mara-Serengueti – região mais emblemática do país para os safaris.

Partimos, aparentemente mais devagar do que o de costume, às vezes a 60 quilômetros por hora. E isso fez toda a diferença. “Só faltam cinco horas”, eu pensava à altura, lembrando-me da expressão mais ouvida em quinze dias de viagem: mambo jambo!, “as coisas importam!”

Àquela medida eu já havia reparado que ir devagar transformava os deslocamentos, com as coisas sendo o que importava, não o destino. Era o que nos deixava mais propensos a absorvermos a paisagem, e se estas não eram de fato um espetáculo de surpresas, senão previsíveis, positivamente resumiam-se em singelos encantos. Reveladas daquele jeito, sem cortes, edições, inteiras, passando como os rios secos e preguiçosos à seca, de nossos olhares não escapavam os pormenores. Mambo jambo. As coisas importam.

Era grande o prazer da viagem, do exílio passageiro, de ter deixado por um tempo a rotina e o conforto de casa e partir para as descobertas, viver experiências entusiasmantes, embora às vezes desconfortáveis. Perceber os menores detalhes era um privilégio, para além de curioso e estranho o sentimento de tempo adulterado. Como um Déjà vu, me entende? E se por um lado ir devagar tornava mais longas as viagens, por outro me ensinava coisas importantes. As coisas importam. Mambo jambo.

Das árvores, por exemplo, eu conseguia perceber detalhes que a velocidade até então disfarçara: os fabulosos ninhos dos pássaros sociable weaver (Philetairus socius), literalmente “tecelão sociável”, espécie de ave endêmica desta região africana. Suas construções são verdadeiros condomínios.

E das cidades? Quase sempre eram poucas e pequenas, mas por estarem justo à beira das rodovias, a mais de 80 por hora costumavam passar depressa demais, sem que percebêssemos suas formas, os materiais, acabamentos e decorações às vezes de gosto duvidoso. Víamos, correndo, apenas suas silhuetas multicoloridas. E depressa ou devagar, à caminho das savanas, em busca de nossa aventura animal, muitas vezes eu não notava a tocante singeleza humana e natural do caminho.

Também as torres de energia deixavam-se perceber. E os postes? Tinham os fios tomados por vegetações. Escondiam-se até por ninhos quando as árvores vizinhas ficavam lotadas. Eu lia também os letreiros das lojas, dos comércios mais variados. E via as casas, às vezes cabanas, feitas de tijolos com reboco de argila sem tinta, noutras pintadas de verde limão, as janelas com cortinas improvisadas em panos, telhados de chapas em decomposição e quase nunca gente ao redor. Davam-me a impressão de que nelas a vida estava nos quintais, no milho, na mandioca ou nas bananas. Coisas aparentemente insignificantes, muito embora me parecessem um ótimo jeito de me fazer assimilar o país, de tornar aquele deslocamento menos enfadonho.

E assim, no conforto do meu silêncio e introspecção, enquanto das ideias desabavam substantivos e adjetivos, abriu-se a savana. Como num passe de abracadabra sumiram as cidades, afastaram-se os humanos, perceberam-se os animais e seus deslocamentos em bandos ou pastagens solitárias. Então, já próximos ao destino, compreendi que a janela do jipe havia se convertido numa arquibancada, num local privilegiado de onde eu assisti o espetáculo desenrolar-se. O tempo passou, e embora lentamente, aparentemente não, se é que me entende o leitor.

Assim, de pronto, demos de cara com esta parte do Masai Mara – o Triângulo Mara – situado entre o rio Mara e a Escarpa Oloololo, que alcançamos pelo portão Oloololo, um dos dois meios por onde se pode adentrá-lo, sendo o outro pela Ponte Nova Mara.

Ao entrarmos na planície sem fim, a savana converteu-se na imagem mais precisa que eu fazia dela, no seu clichê mais básico. Da cor de madeira fresca, de capim dourado, de mato verde, da matriz original das fotos cartão-postal que eu sempre vira. Tudo tinha um clímax cromático e uma profundidade que me fazia parecer fácil a qualquer um de nós produzir cartões postais dali.

Pouco antes do crepúsculo começar, do sol subir e da noite cair, uma família de elefantes cruzou solenemente em diagonal a estrada, uma das imagens mais grandiosas que até então eu havia visto. Seguimos para o lodge, uma coisa para contar à parte, de onde da varanda com uma vista do tamanho da galáxia assistimos a um por do Sol com efeito especial, cinematográfico, national geografiquiano. Mas isso eu conto amanhã! Obrigado, Quênia!

A seguir

Masai Mara e o Triângulo, o Eden da natureza selvagem

Quênia e Tanzânia – O Lago Naivasha e o Safari a pé na Crescent Island

A Map ot the World – Pat Metheny

Todo dia era tudo sempre igual. Nada de novo capaz de alterar minha alegria, senão o calendário. O amanhã a gente vê, quem sabe? As noites, quase virando terapia. Os dias, cotidianos, frequentes, normais. Sempre. Como se vivêssemos um looping temporal, um feitiço do tempo, em que os dias se repetem e repetem, indefinidamente. Mesmo aquele, que embora me parecesse o mais claro e límpido, era igual, porque todos eram assim, afinal, O alarme nos sacodindo antes das seis o começava com o sol ainda dormindo, mas não nós.

É cedo, mas os sentidos vão se aquecendo. Poderia ser quase um desacato às nossas mentes acordar tão cedo todos os 15 dias. Mas não. Com a vulgaridade de sempre, nos inquietamos e, mais tarde, desvairados com o safari do dia, fervilha nosso cérebro. Todo santo dia. Não se ouve nada assim tão cedo, e o ar ainda muito é fresco, mas o calor, sabe-se, chegará, junto com a sinfonia dos pássaros, como todo dia eles fazem, tudo sempre igual.

A savana alaranjada vejo pela fresta da cortina à janela. De manhã, seu aroma invade o ar do quarto. É num misto de doce com terra. Todo dia. Sempre igual. Acorda-se com a banalidade de sempre, pensando-se no café e no banho. Depois de saciados pela água, o café e o pão que o padeiro amassou, só se pensa no mundo dos safaris, dos jipes e do próximo lodge.

As noites também, eram sempre vulgares. Depois do pôr-do-sol, daqueles enormes de sempre, jantávamos. E nos divertiamos, conversámos, para depois dormirmos cansados. Trivial. E assim, dormida evitando-se que a excitação pelo dia seguinte as tornasse mais lentas, arrastadas e de sonos inseguros. Sonhava-se com o costumeiro, e no dia de amanhã, acordava-se sem se esperar que por um lindo dia, porque todos eram. Da mais louca alegria que se possa imaginar. E como sempre, o astro rei vinha para brilhar. E uma nova estrada surgir para trilhar.

Mas não se iludam, monotonia não há! Apesar de monotemática, uma viagem pelo Quênia e Tanzânia é uma sucessão de diferenças. De todas as que se podem não prever. Dia após dia, tudo era sempre igual. Corriqueiramente vivendo-se a mesmice: cada dia, uma experiência entre as mais marcantes e sensacionais da vida. Ordinariamente.

Num dia, estamos engolindo poeira dentro de um jipe, noutro, sentindo a água doce de um lago respingar nos braços. Ouvindo hienas bem próximas da tenda de madrugada, o rugido de um leão – ou simba, em swahili. Cascos de zebras também, no chão de terra. Ficam ali até ouvirem o zíper da barraca olhando para nós desconfiadas.

Ou assistindo leoas caçando zebras, uma chita a um gnu, uma hiena a uma carcaça vigiada por um zeloso rei da selva. Ou águias pescando em pleno voo. Com ou sem sucesso, a mim não importava. Ainda que delas um pasmo espectador, observam-se as caçadoras. E eu, mais apreciando a beleza de seu esforço do que interessado no sucesso de sua refeição. São todas assim, vivem da vida dos outros. Eu não era torcedor, fosse pelo sucesso da presa, fosse pelo do predador; apenas de todas mais um ardoroso espectador,  assistindo a um espetáculo verdadeiramente encantador.

O Lago Naivasha e o Safari a pé na Crescent Island

Pegamos o barco em direção à Crescent Island, parada frequente para quem sai do Lago Nakuru em direção ao Masai Mara. Cenário do filme Out Of Africa (Entre Dois Amores) com Meryl Streep e Robert Redford, caminha-se próximo a girafas, gnus, waterbucks e zebras. Já nos barcos, antes, o espetáculo das águias pescadoras africanas.

No céu seu domínio e território – as águias do Lago Naivasha – olhos espertos e asas preparadas – administram com habilidade e interesse o jogo turístico. Ali está sua refeição. Fácil. Não tanto, quero dizer. Barqueiros lançam peixes na flor da água enquanto as belas aves aguardam o comando para atacarem.

Sim, o sinal é um silvo assoviado, monocórdico e agudo, para deixarem o topo da árvore seca onde fazem seus ninhos, e mergulharem as garras em sua tilápia em rasantes preciosos e precisos. Na água, além de habitat de peixes, também há hipopótamos. E barcos. Com motores de popa fazendo evoluções turísticas com quatro passageiros cada.

A paisagem do lago é bonita e tranquila. Ali, assim como nós, uma infinidade de pássaros de outras espécies observam a performance das águias como se estivessem a aprender.  O motivo para visitar o lago é sair nesses pequenos barcos à procura de hipopótamos e para assistir à pesca das águias, embora o principal seja levar os turistas à Crescent Island, que não chega a ser a Arca de Noé, mas tem lá meia dúzia de animais que podemos seguir os passos, a pé.

Seis da tarde, como era de se esperar, o pôr do Sol nos pega. É o fim do safari, como em todo dia, afinal. Naquela noite, eu o filmo e o fotografo, dispensando-lhe meu último olhar encantado do dia, fixando em digitais e na memória as imagens que redemoinham nos meandros de meu cérebro até hoje.

Um dia, dois, dezenas, talvez até um pouco mais. Todo dia é quase tudo sempre igual. E como assim o que vimos, são imagens que ficarão para sempre num lugar macio da memória para no cotidiano voltarem.

Amanhã, será um novo dia. E será pleno.

A seguir: Quênia e Tanzânia – A Reserva Masai Mara

Quênia e Tanzânia – Lago Nakuru, o paraíso da vida selvagem

5-5-7, de Lyle Mays e Pat Metheny, do álbum Letter from Home, de 1989

Um bom guia, o lugar e sorte. Quem vai a um safari deve ter em conta os três fatores para a boa qualidade da experiência. Do nosso lado, a sorte parecia estar. E guias tínhamos, não apenas um, mas três habilidosos motoristas-guias. Por fim, o lugar: Lago Nakuru, com imensas possibilidades, onde no safari vespertino do dia anterior avistáramos quase todos os possíveis mamíferos e aves. Exagerei. Mas foi bem perto de pensar assim, desde que chegamos – no fim de tarde – até o pôr do Sol. Mesmo desse jeito, embora eu contasse com um belo dia, os pés estavam no chão da realidade, pois em safaris, perder e ganhar é sempre de se esperar.

O céu era imenso, auspicioso, já tão brilhante às sete e quinze da manhã. Eu o vasculhava com o olhar, observava a pureza do azul até a luz macular a íris. Uma belíssima águia africana realizava um magnífico voo, eficiente, notável.

A luz não entrava, colidia com as retinas, incomodando os olhos, embora caísse mais delicadamente na pele. Era luz intensa e suave, se é que isso é possível. O meu olhar percorria o céu com intenção exploratória, num semicírculo, porque embora um espaço vasto, limitava-se pelas árvores ao redor. Na perpendicular também. Não encontrei nuvens. Havia luz. Da boa luz de saltitar na retina e inundar o olhar. Aproveitei o que pude daquele azul. Não era quente ainda, e o frescor se sentia no corpo, porque nas terras altas do Quênia, em fevereiro, o clima é quente, mas as noites e manhãs cedo, frescas

Depois de registrar o voo entrei em meu mundinho africano – o interior do jipe – colecionando motivos para incrementar o entusiasmo matinal. E não se tratava do que é comum a quem viaja, aquela coisa de antes de ver – sem nunca ter visto – já ter gostado. Era só porque o dia anterior já quase bastara. É difícil encontrar palavra para descrever minha ânsia por aquele dia inteiro de safari no Lago Nakuro. Escolho deixar assim.

Estávamos ali esperando por um dia como todos os que tivéramos até ali. Nada me parecia ser tão diferente – mais ou menos intenso, de maior ou menor pressa, senão o de sempre: um dia de safari, para o que, afinal, viajáramos.

Enquanto esperávamos a partida do grupo eu refletia sobre diferentes temas e questões. Uma delas, sobre nosso lugar no jipe. Daquela vez fomos no banco de trás. Pula um pouco mais. Bem mais, para ser franco. E tem menos espaço, embora com a vantagem de estarmos mais perto da geladeira. Que não gelava, é verdade, só refrescava, mas era só estender a mão e pronto, não tínhamos que incomodar os colegas. Havia também janelas privativas nas poltronas traseiras, em ambos os lados. Algumas funcionavam, outras, emperradas, só abriam com ajuda de mãos fortes. No fim das mais longas jornadas, já não tínhamos posição no banco desconfortável, ao ponto de que qualquer parada para banheiros consagrava-se num grande alívio. Bem mais para a lombar do que para a bexiga.

Coloquei o celular, a filmadora e os binóculos na bolsa do banco da frente. E foi assim, cuidando delas, que me peguei de novo refletindo. Agora acerca de fotos e filmes. E ponderando intimamente: “Se é verdade que fotografia é a maneira de olhar de cada um, eu tenho a minha”. E mais, também é um jeito de se expressar”. As minhas imagens já não revelavam agora a ambição de outrora. Eram de celular, apenas. Embora boazinhas, feitas com capricho, contudo sem merecerem destaque ou mesmo um mísero voto no concurso que prepararam para o final da viagem. Mas serviam-me. E bem. Para o prazer e para a utilidade de ilustrarem este bloguinho, o Insta e os filminhos no Youtube.

A outra reflexão corria sobre as viagens, de como e quanto elas tornaram-se tão importantes na minha vida, até em minha formação pessoal. Viajar não me torna, contudo, melhor ou pior que ninguém. É pretensão achar que existe algum mérito especial a tornar os viajantes pessoas diferenciadas. Não. Mas, a mim, fazem muito bem! Sobre este “gostar”, eu refletia e, consequentemente, acerca do privilégio de estar ali. Sim, porque viajar é caro, então, é para poucos. Se eu tive a sorte de viajar bastante, de me permitir fazer isso por escolha e para onde desejo, não por convite para escrever sempre positivamente sobre um destino ou hotel, pago ou não por isso, sou grato por este meu hábito. Em resumo, meu gosto me levara até ali àquela savana numa luminosa manhã.

Foi enorme o instante, apesar de breve. Fez até o tempo desaparecer. E relembrá-lo agora, sem ter perdido um só dos pensamentos que descrevo, também me faz bem, já que ter um cérebro com 71 anos de idade, mas ainda guardando memórias arrumadinhas, não apenas vagas lembranças, é para mexer com o orgulho. Sobretudo porque não escrevo diários nem faço anotações em viagens. Talvez um dia até venha a fazê-los, contudo agora (e sempre foi assim), meu diário de viagens permanece com todas as folhas em branco. Não anoto nada. De situações e experiências a gostos e impressões. Guardo o que vivo apenas na memória, porque me entrego intensamente com os olhos, o coração e a mente, vivo cada segundo deles. Às vezes até dormindo. E quando escrevo, volto no tempo e contemplo. Fotos e filmes, estes sim, são os meus diários de viagens.

Nos jipes aguardávamos a partida do Lake Nakuru Lodge com destino ao Lago Naivasha e à Crescent Island. No interior, os doze safaristas alegres e entusiasmados com o dia, embora não mais os corajosos exploradores de outrora desbravando o planeta África, éramos tão entusiastas da vida selvagem quanto aqueles. O percurso não seria longo, apenas 120 quilômetros, e por boas estradas de asfalto. Mas havia um safari no meio! E que safari!

Ainda que fosse nosso quinto dia de game drives no Quênia, tudo parecia novo e promissor às margens do deslumbrante lago africano – um dos grandes do Vale do Rift – cuja água alcalina de cor escura reflete o rosa da grande população de flamingos que ali se alimenta das suas algas e outros micro-organismos. E de pelicanos brancos, enormes, lindos ao voarem, dado sua envergadura.  

Passava um pouco das sete e meia quando deixamos o lodge, seguindo os caminhos de terra, a cada nova paisagem, nos dando um pouco mais de beleza a superar a do dia anterior. Não era difícil, então, esperar por perspectivas extraordinárias cada vez que contemplávamos cenários e animais. Eu exultava, e me certificava – como se precisasse – do quão infinitamente rica e bela é a vida. Mais uma vez eu reconhecia o tamanho do privilégio de estar ali. Por vezes, mais do que o prazer da contemplação, eu percebia um tipo especial de felicidade, algo que não seria fácil definir.

O safari no Lago Nakuru

Com uma agradável onda de ar fresco invadindo o teto aberto do jipe, já na trilha de terra seca, a 1.700 metros de altitude as manhãs pareciam ser mais límpidas. A linha do Equador atravessa estes planaltos de imensa beleza, de relvas, de árvores secas dentro do lago, de florestas verdejantes e de pastos nem tanto. Serpenteávamos por uma zona aberta de pastos dourados que abrigam famílias de rinocerontes, de zebras, búfalos, babuínos, leopardos e leões, além da ameaçada girafa Rothschild e de mais de 400 espécies de pássaros, 50 de mamíferos e outras dezenas de espécies de flora, contudo são os flamingos a principal atração do parque, que com sua geografia variada, de zonas húmidas a pastagens secas e florestas densas, torna o safari ainda mais sedutor.

Chegamos a um terreno mais arborizado, de forração verde e com algumas acácias adultas, e avistamos o primeiro rinoceronte branco reluzindo distante com a luz da manhã. Aquilo para mim era um troféu, já que estávamos diante de um animal considerado formalmente extinto.

Avistamos girafas, zebras, rinocerontes, búfalos, chacais, uma família de leões e leoas adultos e filhotes, duas leoas deitadas preguiçosamente num galho alto de uma frondosa acácia, antílopes, cervos, babuínos, macacos e uma infinidade de pássaros. Tenho certeza de que não esqueci de nenhum animal. Ou será que a mente já não está mais tão precisa assim? Só sei que nada apagará aquela manhã da minha memória. E que meus sonhos, um dia, me falarão daquela manhã.

Só se vive uma vez. A não ser James Bond, claro. E os gatos. Então, não hesito em viver intensamente cada um dos meus dias, como especialmente agora, que me encontro no quarto ou quinto final de minha existência. E espero que meu futuro seja tão brilhante quanto aquele dia de safari.

A seguir: Quênia e Tanzânia – O Lago Naivasha

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Quênia e Tanzânia – dia de estrada, tarde de safari

Piano Sonata – Mozart

As Reservas dos Lagos Nakuru e Naivasha

O cheiro inesquecível da savana me desperta. Adormeci bem, sem tormento ou contratempo, sem sonhos a me perturbarem. Noite passada lenta e sem ruídos e, ao despertar, um novo homem se levanta crendo não haver forma melhor de amanhecer numa viagem tão intensa.

Então, Bom dia! Ensolarado e com novos destinos e expectativas. O Sol mal despontara e nós já estávamos a caminho do desjejum.

Adeus Samburu, e obrigado por nos proporcionar uma introdução impecável às savanas do Quênia, uma natureza onde o homem é secundário, senão os animais protagonistas, apesar de alguns não terem feito questão de aparecer. E a paisagem era de dominar os olhos e ouvidos.

Para alguns, também, alojou-se nos corações e mentes aquele lugar dos mais isolados, onde turistas há, mas não muitos, tanto que bastam uns quilômetros adentro das reservas para pensarmos que ela nos é exclusiva.

A “família” pouco a pouco vai se juntando com sorrisos e cumprimentos. Viagens têm seus efeitos, sobretudo quando para lugares onde se encontram costumes, regras, culturas e sociedades tão diferentes das nossas. Entre as mais notáveis, conhecer pessoas, que embora permaneçam por lá onde as encontramos, quando retornamos, por vezes nos acompanham para o resto da vida.

Eu refletia que nunca havia experimentado encontrar gente tão bacana de meu próprio país numa viagem em grupo. Sorte a minha. Todos chegam às 7:30, hora marcada, com o dia já a pleno Sol. Os dias em safaris começam cedo, com despertar às seis da manhã e saída uma hora e pouco mais depois.

– Jambo, diz Oburu em swahili, com seu vozeirão de radialista, tamanho de Schwarzenegger, sorriso extenso como o Quênia. Fica ali de pé, com as mãos sobre os quadris, dentes à mostra e faz sinal de “V” enquanto me aproximo. Depois, me estende a mão. O olhar não é novo, de todos os dias, embora naquela manhã tenha me parecido ainda mais acolhedor.

– Jambo, retribuo. Estamos prontos, dear friend!

Jipes estacionados defronte ao lodge, logo carregaram-se com nossa bagagem, água e petiscos. Nos metemos neles, também. E seguimos. Comigo, nenhum receio do que encontrar nos Lagos Nakuru e Naivasha, pois a viagem vinha crescendo em realidade e superando expectativas.

Depois de dois dias fabulosos em Samburu e Buffalo Springs, com avistamento de zebras, elefantes, girafas, leoas, javalis africanos, impalas, pássaros, partimos para novos destinos, que antes foram-nos apresentados por Márcio no briefing da noite anterior:

O Lago Nakuru abriga enorme população de flamingos, mas também das girafas Rothschild, de rinocerontes pretos e brancos, bem como de búfalos e diversos outros animais. No caminho, faremos uma parada para conhecer a cachoeira de Nyahururu e, no final da tarde, já no destino, faremos um safari em Nakuru até o pôr do Sol, que lá promete!  Em seguida, faremos nosso check-in no Lake Nakuru Lodge. Ah, o almoço será um “Lunch Box”.

“Puxa! Rinocerontes brancos e negros!”, penso eu no privilégio de avistar aqueles raros animais. Não era pouco o que nos esperava. O Parque Nacional Nakuru, mais famoso pelas colônias de flamingos habitando as margens do lago, é um dos três mais visitados do Quênia, reconhecido como excepcional centro de observação de aves – mais de 400 espécies -, entre elas a águia africana, para além de habitat de leões, impalas e muitos outros animais. 400 espécies!

Dali ao destino, 310 km de frutas e legumes à beira da estrada, de plantios organizados, de savanas, lugarejos, vilas e cidades. Saímos pelo Arche’s Gate, aquele da Elsa, e logo tomamos a rodovia A2, a Nyeri – Nanyuki Road.  

Para além das enormes possibilidades de um safari _____________

O itinerário não era apenas o deslocamento, uma viagem longa de carro, senão também observar e me tocar com pequenas cabanas sem eletricidade, água corrente e saneamento, crianças descalças carregando reservatórios de água, a difícil vida diária das pessoas no Quênia. Sobretudo porque aparentemente encontraram seu modo de felicidade com tão pouco, apesar da luta pela sobrevivência ser, às vezes, comparável às dos animais da savana. Provavelmente, para mim, seria este – ao fim da jornada de 2.000 quilômetros pelos dois países – o maior legado que me deixariam, um benefício adicional da viagem, além dos prazeres dos safaris.

Seu impacto se estendia muito além das belíssimas paisagens, dos encontros com os animais. E as reflexões pessoais, que mexiam comigo durante nossa estada, pareciam favorecer o crescimento pessoal, a sedimentação de valores e a avaliação do quanto certas viagens podem fazer por nós. A reflexão levou-me às palavras de John Steinbeck, o escritor americano: “As pessoas não fazem as viagens, as viagens é que fazem as pessoas.”

O lago Nakuru ______________________________________

A próxima morada, por duas noites, será no Lake Nakuru Lodge. Paramos na altura de Nanyuk para uma vista do Monte Quênia, bem distante e parcialmente encoberto por nuvens. Depois, na cachoeira Nyahururu e, no fim da tarde, um safari de fim de tarde já no caminho do lodge, ao redor do lago com milhares de flamingos e pelicanos, além de uma surpreendente fauna dos animais típicos das savanas do Quênia. Trata-se de uma das melhores reservas para observarmos os rinocerontes negros e brancos, além de manadas de búfalos, felinos, grande variedade de aves e muito mais.

Fizemos um stop no Mountain View Curio Shop, em Nanyuk, a 112 quilômetros, para café e banheiros. Algumas fotos e vida que segue.  No quilômetro 138 entramos na Rodovia 85, em Naromoru, e paramos na Equator Curio Shop, a 220 quilômetros, para café, banheiros e comprinhas. Até a Thompson Falls, em Nyahururu, aos 235 quilômetros, estacionamos no Thomsons Falls Lodge, para comer nossos lunch boxes sentados numa mesa no jardim.

Em seguida fomos conhecer a cachoeira. Não eram as “sete quedas” , mas o lugar, interessante e um bom relaxamento antes de prosseguirmos a viagem. Eu e a maioria avistamos do mirante e três ou quatro desceram com uma guia até a base da queda d’água, que tem cerca de 72 m, com água do rio Ewaso Narok, que vem do extremo norte da cordilheira de Aberdare. Da borda do desfiladeiro havia algumas áreas de observação, onde paramos. Também havia dois ou três habitantes locais vestidos com roupas de tribos que insistentemente nos abordavam para uma fotografia deles, por um valor caro que negociado caia à metade. Eles não nos deixavam em paz e perseguiam.

Almoçamos e seguimos para o Lake Nakuru National Park. Restavam, então, apenas 76,1 km, via C83, até o Lake Nakuru Lodge, dentro do pequeno parque. O safari seria no caminho do acesso ao parque até a hospedagem. A tarde ia em meio quando chegamos ao Lanet Gate.

Dali ao lodge seriam mais 15 quilômetros de safari, quase sempre às margens do lago. Entramos e os primeiros animais avistados foram as zebras. Depois babuínos, búfalos e cervos, além dos macacos vervet azuis e antílopes Waterbuck, animais grandes e robustos com orelhas arredondadas, manchas brancas acima dos olhos, nariz, boca e garganta. Os machos têm chifres anelados que podem medir até 100 centímetros de comprimento. Um belo e não muito comum animal.

Um safari moderno começa entrando num jipe, de manhã bem cedo e ao fim da tarde, fotografando e observando os animais, voltando ao lodge para o desjejum às nove, descansando o resto da manhã e parte da tarde para aproveitar a piscina, massagem, uma boa refeição. Às 16 h, o safari noturno começa e vai até o começo da noite. Depois de três dias nisso, voa-se para casa. Nada contra. Fiz dois e gostei muito. Mas o nosso foram dez dias “fora do caminho batido”, das oito da manhã às cinco da tarde e por tudo o que há de melhor no Quênia e Tanzânia.

Lake Nakuru Lodge – Um pôr do Sol para não esquecer ______________

A luz que brilha ali parece mais clara, maior. E o céu, de ver estrelas, constelações inteiras. O Animal Planet desfilava à minha frente, na linha do horizonte de nossa varanda. Numa trilha, em fila indiana, uma manada de búfalos seguia, com adultos e jovens, consagrando-se numa das típicas e mais belas paisagens que a África me proporcionou nesta viagem.

Trouxe muitas destas comigo de volta à casa – na memória e na câmera -, mas nenhuma de superar a majestosa beleza do pôr do sol no Lago Nakuru.

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A seguir

As águias pescadoras do Lago Naivasha e um Safari a pé na Crescent Island.

Quênia e Tanzânia –  Sobre homens e animais  

A Map of the World – Pat Metheny

A visita à aldeia Samburu e a exploração da reserva Buffalo Springs

Elas estavam ali, logo atrás da cortina que escondia a grande varanda. Faziam uma algazarra dos deuses, típica das andorinhas. Um estardalhaço. A sinfonia dos animados passarinhos acordou-me pouco antes do despertador. E lembro-me bem da escuridão no quarto, do momento em que o Sol ainda não despontou, mas já se anuncia. Minha visão levou segundos para adaptar-se à ínfima luz que passava por uma fresta. Eu percebia a tênue e morna claridade tentando entrar no quarto. E eu ainda não avistava, mas podia sentir a natureza selvagem da reserva Buffalo Springs. Pujante, absoluta, potente, nua e crua. Não sei dizer se eram meus olhos, se outros o sentiam, mas as cores da savana pareciam mais exuberantes, o céu mais azul, embora nem tanto o verde, que por aqui andava seco de dar dó.

Levantei-me. Não com a presteza que me caracteriza, mas com cautela. E como uma hiena solitária, decidida, mas sorrateira, com cuidado para não tropeçar no ambiente desconhecido, cheguei à presa, a porta da varanda. Pole pole!, como dizem em swahili – devagar, devagar! Assim entrou a paisagem no quarto e em mim, mas junto com ela um frio de bater no peito, como todas as manhãs experimentei naquele lado do mundo.

Embrulhei-me com a cortina e observei a paisagem apenas o rosto em exposição. A savana estava ali, embora não tão bela quanto ao calor do dia raiado, embora tudo o que eu visse fosse bonito. O alvorecer se anunciava com toda a sua beleza e magnitude, pureza e encantamento, proporcionava sensações, mexia com sentimentos. Mas eu não poderia apreciá-lo: não havia tempo a perder com contemplações. Nossos horários eram rígidos e meu senso de pontualidade logo levou-me ao banheiro.

Era nosso segundo dia de safari, embora nossa estreia não tenha sido assim um “dia de safari”, senão o da chegada à Reserva Samburu vindos de Nairobi, seguindo o caminho em seuterritório em direção ao nosso lodge, na vizinha Buffalo Springs, quase à margem do rio Ewaso Ngiro. Que lugar e que chegada!

O turismo, a grande oportunidade

Nossa manhã começou cedo, bem cedo, como de costume. Às sete e meia já estávamos dentro de nossos jipes levantando poeira a caminho de uma aldeia do povo Samburu, visita que daria um significado todo especial, humano, àquela viagem quase toda dedicada ao encontro com os animais selvagens e a natureza das savanas, das magníficas reservas do Quênia e da Tanzânia.

Lembrem-se de usarem máscaras, nos relembrou Márcio. São para preservar os samburu, não a nós. Daquele modo estaríamos ajudando a manter vivos os séculos de cultura de um povo guerreiro por história e pecuarista por tradição. Seminômades, alimentam-se de leite e de sangue das vacas no dia a dia, mais carne, embora ocasionalmente, e de legumes e tubérculos. São “primos” dos  Maasai, pois têm a mesma origem, mais ao Norte do continente, para os lados do Egito e Sudão e às margens do Nilo. Embora carreguem traços comuns, inclusive o idioma, têm lá suas diferenças.

Entramos num mundo quase de fantasia, que muitos surpreendem-se ainda existir de gente que custamos a crer conseguirem sobreviver em condições tão adversas e com tão pouco.  Vivem em pequenas aldeias de chão de terra, em simplíssimas casas de tijolos e ainda mais primitivas de barro. O chefe da tribo, fluente em inglês, nos recebe e coordena a visita à tribo e nos explica que ao final poderemos comprar o artesanato feito exclusivamente pelas mulheres. Nos mostraram como fazem fogo, alguns costumes, suas moradias e um grupo de crianças da escolinha local.

Doa-se dinheiro em espécie para a tribo e não há mesmo outro jeito de sobreviverem, sobretudo na época da seca, do que sem a ajuda do turismo. Sinto uma sensação de conforto em poder contribuir com a aldeia e reforço meu sentimento de um pouco de humanidade à nossa visita, algo que eu não imaginava experimentar antes da viagem, porque eu fora ali com uma ideia de que veríamos algo que o turismo subtraiu em originalidade.

O turismo é uma via de mão dupla, pode arrasar a personalidade e originalidade de lugares e culturas – com o de massa e o predatório – mas também favorecer a manutenção de povos e de animais, neste caso, com o turismo responsável e sustentável. seja pelas ações de doações de visitantes.

Seguimos nossa tarde de visita à reserva de Buffalo Springs, até chegarmos ao Uaso Bridge Gate, ou Portão da Ponte Uaso, ornado com uma bela pintura de pele de girafa e relativamente próximo ao Samburu Simba Lodge, onde nos hospedamos. Aproveitamos a não desperdiçável oportunidade de uso dos banheiros, ainda que tão precários. Revejo a placa homenageando a leoa Elsa, vista antes no outro acesso, o Arche’s Gate, observei os curiosos e interessantes ninhos presos ao teto do portão, de passarinhos que pareciam graciosas, animadas e barulhentas andorinhas.

Àquela altura eu ainda não sabia, mas aquele lugar seria marcante, dominaria meu pensamento toda vez que eu me lembrasse do Quênia. A partir dali, precisamente, estaria comigo para sempre, não só por todo aquele dia, por toda a vida. No meu imaginário não poderia supor que aquela experiência que ali começava, com nossa tão aguardada aventura de observação da vida selvagem, seria também uma jornada emocional. Claro que sobretudo pelo destino, pelas experiências, pelo aprendizado, mas muito também pelo grupo de pessoas que se integraram, se divertiram e tornaram tudo mais brilhante. Alternávamos os jipes todos os dias e os passageiros, o que possibilitou o aperfeiçoamento da integração, já que não se daria apenas nas refeições.

Passadas poucas horas depois da visita à aldeia samburu eu não imaginara presenciar tantos animais. As reservas são relativamente pequenas e pouco conhecidas, embora com abundância de vida selvagem e mas a pouca frequência humana possibilitam experiências muito mais exclusivas do que aquelas experimentadas nos grandes parques como Masai Mara e Serengueti ou Ngorongoro, o que torna ambas as reservas reconhecidas como entre os melhores safáris no norte do Quênia.

Avistamos zebras de grevy, girafas reticuladas, gazelas, antílopes, avestruzes somali, elefantes, entre outros animais.

Próximo capítulo – Lagos Nakutu e Naivasha

Quênia e Tanzânia – De Nairobi ao Samburu

Love May Take Awhile, de Pat Metheny – Álbum From This Place

Longe, tão longe e distante _____________________________________

Pela janela do quarto avisto prédios e um céu azul tão brilhante quanto minha vontade de descer. Chegara, finalmente, o primeiro dia de viagem para as reservas, a etapa inaugural da jornada pelo Quênia e Tanzânia, de pegar estradas para um outro mundo, o das savanas e dos safaris. A manhã era calma e reluzente e, ao descer, noto que todos já estavam a postos em pontualidade britânica, prontos para entrarem a bordo de seus jipes na hora determinada por Marcio, nosso guia*, como ocorreu dali até o derradeiro dia da longa viagem.

Três jipes, doze brasileiros, dezessete dias, 2000 quilômetros, uma expedição de observação ao sabor da natureza selvagem, de filmagem e fotografia a bordo de Toyotas Land Cruiser. Os objetivos: a Grande Migração de animais no Serengeti, as Reservas Maasai Mara, a Cratera de Ngorongoro, as reservas de Samburu e Buffalo, o Lake Naivasha e o Lake Nakuru, além dos povos Maasai e Samburu.

Jambo!, disse Kaled, um dos motoristas ao encontrar-me no lobby do Pride Inn Azzure.

– Jambo!, retribuí com a mesma simpatia.

Assim, às 8 horas de uma manhã fresca, partimos com um único pensamento: o encontro com animais selvagens naquele mesmo dia, ao fim da tarde. A expectativa era grande, embora o receio de que ela não correspondesse à realidade fosse esperado, afinal, um safari não é uma visita a um museu, senão uma viagem ao imponderável, ao inesperado, no qual pode haver um abismo entre a expectativa do observador e a realidade da savana. Os animais não estão preocupados em serem vistos – ao contrário -, são tesouros escondidos focados em suas lutas diárias pela sobrevivência. Contudo, era promissor o dia e não havia por que não esperar por uma jornada terminada com grande satisfação pessoal.

A primeira rodovia que tomamos foi a Meru-Nairobi Highway e, pouco depois, já na A2, uma das novas chinese nighways, que passa por Kibirigwi, fizemos uma parada, a 120 km da partida, na Africana Curio Shop onde havia um providencial e inesperado café espresso tanzaniano, além de uma enorme loja abarrotada de souvenires. E wash rooms. Com água! O lugar era concorrido e diversos outros jipes com turistas estrangeiros estavam por ali com o mesmo objetivo.

Interessei-me pelos animais esculpidos em madeira, especialmente os de ébano. Madeira bonita, escura, pesada, resistente, das árvores encontradas principalmente na África.

Cuidado, gente! O que eles chamam de “ébano” pode ser madeira comum, pintada de preto, nos alerta Marcio. Da que comprei, só saberei com o tempo…

O destino agora era Nanyuki, com parada no Cedar Mall para comermos no surpreendente fast food Java House, para uma passada numa farmácia e visitas aos bons banheiros. Com água e sabão líquido. Nos divertirmos na mesa em que nos sentamos todos, consolidando a simpatia coletiva do grupo.

Comemos bem e seguimos estrada afora passando por Isiolo, sem pararmos, mas uma cidade tipicamente africana desta parte do continente mostrada às janelas, movimentada e com todo o tipo de comércio à beira da rodovia. Ali vi os primeiros tuk-tuks da viagem e lembrei-me dos que andei na Índia e na Tailândia, embora os daqui sejam mais arrumadinhos, ainda que levem além de pessoas, cabritos e outros animais domésticos.

Em pouco tempo estávamos com a savana à beira e lembro-me bem de que muitas vezes passávamos e as crianças sempre nos acenavam e sorriam. Eram acontecimentos banais, que se repetiam até tornarem-se costumeiros, contudo, sendo estes que, muitas vezes, transformam-se em momentos únicos. No caminho, à altura de Naro Moru, passamos pelo Monte Quênia, que embora encoberto parcialmente por nuvens, nos fez parar à beira da estrada para fotos. E uma sempre bem-vinda esticada nas pernas.

Dali foi um pulo até o Archer’s Gate, aquele da Elsa, um dos dois acessos ao Samburu National Reserve.

Samburu National Reserve – Um dia para não esquecer

Os três Toyota Land Cruiser 4X4 estacionaram assim que adentraram o parque. E nós, empolgados com o começo do safari de sonho, aproveitamos o tempo para idas aos banheiros, enquanto os motoristas davam curso na guarda do parque aos procedimentos burocráticos.

Começávamos de maneira brilhante a nossa aventura pelo Quênia ao fim da tarde daquele dia. Eram as primeiras duas, não as mais conhecidas, senão as reservas mais fora do caminho batido de toda a nossa aventura: Samburu e Buffalo Springs. A natural excitação era compreensível. Afinal, para a maioria de nós ali, um safari era uma viagem, única na vida, com um esplendor épico de vida selvagem. Para além dos animais, num local com histórias inspiradoras de conservação da comunidade do povo samburu e da vida selvagem.

As montanhas vulcânicas fazem pano de fundo no cenário de savanas entremeadas pelo granito de afloramentos rochosos e belíssimas acácias altas. Esguias, elegantes, de copas planas, são entre os símbolos mais icônicos, singelos, mas belos, que há por ali. São árvores guarda-chuvas, na forma e nos efeitos, pois protegem como sombrinhas os animais e, das chuvas, os que se abrigam bob elas e nos seus galhos. Atravessando a paisagem, o rio Ewaso Nyiro – terceiro mais extenso do país – em cujas margens abriga-se um oásis verde de grandes palmeiras-doum – ou gingerbread tree – cujos troncos se abrem em muitos. E uma vegetação mais baixa, alinhada com as beiras dos meandros do rio. O cenário é tão pitoresco que às vezes parece um exagero sugerido nas páginas da National Geographic ou do estado de espírito de quem o descreve. Desvia-se a atenção das árvores e encontram-se quase todos os animais que se imagine possa haver na África.

Ambas as reservas são um refúgio vital para a vida selvagem variada, contudo, particularmente de cinco animais especiais do norte: a zebra cinzenta, o avestruz somali de pescoço azul, a girafa reticulada, o curioso antílope gerenuk e o oryx de beisa. Para além de manadas de elefantes, de felinos em grupo ou solitários, de outros animais que somam-se às 450 espécies de aves catalogadas. Enfim, um grande lugar para começarmos nossos tão esperados dias de ação.

Apesar de sua diversidade, Samburu é um desafio para alcançar, devido à distância e às opções de parques e reservas mais conhecidas para quem tem menos tempo e disposição aos sacrifícios. Livre de multidões, sentimo-nos num lugar exclusivo – ao contrário do Mara e do Serengueti onde, por vezes, há mais jipes estacionados do que animais sendo observados.  concorrerá os encontros entre outros inúmeros jipes.

O lodge onde nos hospedaríamos seria o Samburu Simba, localizado no interior da reserva de Buffalo Springs, cuja bela vista para o rio, rodeado de natureza e com boas instalações, convertera-se num dos melhores alojamentos entre todos que ficamos. Para além das instalações, um pessoal prestativo e atencioso, uma comida boa servida numa grande mesa reservada e bem montada para nós, que acomodava a todos tinha toalhas vermelhas e velas acesas. Uma boa loja de suvenires e vistas espantosas completava com dignidade a boa hospedagem.

Assim que retornamos aos jipes, depois der irmos aos wash rooms sem água, começávamos nosso primeiro safari, no caminho por dentro da reserva até o lodge.  Seriam cerca de 25 km através das estradas de chão, cruzando, ao fim, a divisa entre as reservas Samburu e Buffalo Springs, o rio Ewaso Nyiro.

No três, ok? Um, dois, três…já!

O teto do jipe elevou-se com nossa ajuda ao motorista e, depois de acionada a trava de segurança, ganhamos um belvedere, o mirante móvel que fez a paisagem entrar no jipe, embora não a luz, contudo sim muita poeira. Tanta que entrava nos olhos, na garganta e, quem sabe, até mais adentro.

De olhos pregados às janelas e narizes colados aos vidros, sentimos o vento com a velocidade do jipe atenuar o calor. O filme de ação que trouxéramos na mente não começara, talvez, para alguns, apenas um pouco da beleza e romantismo de Out of Africa. Não se vislumbrava qualquer sinal de animal ou de civilização, senão um cenário ressequido pontuado por arbustos, que à minha ideia correspondia ao que eu trouxera na memória. Encerramos as intermináveis conversas da viagem para nos concentrarmos nas bonitas imagens da planície seca, cujas expectativas de encontro com os animais eram promissoras.

Os jipes percorriam os caminhos de terra e comunicavam-se entre si por seus rádios. Por vezes perturbavam bastante, devido à altura do som, ao ponto de, por vezes, ser necessário pedirmos aos motoristas para reduzirem o volume. As cores eram bem definidas e deixavam incrivelmente mais atraente a savana. Embora eu ainda não a avistasse, pensava sentir o cheiro de vida selvagem. Talvez estivesse ansioso demais e, ao dar-me conta disso, procurei controlar-me. Nada mais adequado do que receber naturalmente o que a África tem a entregar, por si, inesperadamente e ao seu tempo e jeito, do que o contrário.

O primeiro animal avistado foi um impala. Como em todas as vezes em que participei de safaris na África do Sul e na Namíbia. Eram de uma manada da espécie entre as mais comuns de antílopes africanos. Tensos e alertas, prontos para correrem ao menor sinal de perigo, são sempre graciosos e elegantes com seus chifres alongados. Cheiram o ar, abanam os rabos, olham e escutam com atenção tentando captar algum movimento ou odor suspeito, um predador. Ainda que não sejam os bichos mais cobiçados num safári, os antílopes atraem os felinos. Aquele primeiro encontro foi tão excitante parecíamos presenciar uma chita em plena caça.

Quase tudo o que a savana nos mostrava era explicado, e bem, pelos motoristas. A vida selvagem, a vegetação, as peculiaridades de cada lugar. Alguns com mais entusiasmo que outro, mas todos muito bem-intencionados.

São as Gazelas de Granti, informou nosso driver. Os “McDonald’s” da selva, petiscos preferidos entre todas as espécies de grandes felinos, concluiu e deu partida no motor.

Seguimos as estradas com os jipes levantando poeira e logo adiante avistamos um bando de lindas e saudáveis girafas. Lindas. Degustamos com os jipes parados o delicioso momento. De súbito o silêncio entre nós é interrompido por um alerta pelo rádio, dado pelo condutor de um dos jipes:

Haraka haraka!, disse Oburo, repetindo o que ouvira do outro motorista. Algo como “corre, corre!”, em swahili. “Elefantes mais à frente, nos avisou Wiki!”, completou, girando o motor e partindo. Sacolejando, passamos defronte a um grupo de agitados, ariscos warthogs, o javali africano, com seu rabinho apontando para o céu, até chegarmos ao lugar indicado.

A manada de dez elefantes de todos os tamanhos cruzava nosso caminho, bem pertinho de nós. O encontro foi encantador, sereno como o passo daqueles animais, apesar de os maiores terrestres do mundo. O momento foi solenemente admirado, como se àqueles animais rendêssemos nossas homenagens e agradecimentos pelo desfile de tanta formosura. Embelezados pela luz do quase poente, quando tudo fica mais quente e fotografável, seguiram seu rumo até o horizonte para depois os encontrarmos novamente já próximos ao lodge.

Continuamos e avistamos um jipe de outra expedição estacionado com seus passageiros de pé olhando na mesma direção. Nos aproximamos e presenciamos duas leoas deitadas bem próximas à estrada. Que visão maravilhosa! Eram os dois troféus para aquele dia que poderia terminar ali, ao menos para mim, com a sensação de plenitude da satisfação. Majestosas, saudáveis, bonitas, quase imóveis, ignoravam-nos solenemente enquanto observávamos sua respiração ofegante. Exercitamos a arte da paciência, algo que um safarista deve compreender como fundamental numa aventura do gênero. Perceber que um safari não é apenas a observação, fotografia e filmagem de animais, também observar seu comportamento e identificar seus costumes na natureza.

As leoas levantaram-se e placidamente caminharam para desaparecerem entre os arbustos próximos. Na Reserva Nacional de Samburu elas levam vidas quase solitárias. Consta que o leão africano desapareceu de 94% de sua área original, por diversos motivos, o que tornava aquelas duas fêmeas um prêmio inesperado ao fim do dia.

A tarde caía, a noite se anunciava e o lodge nos esperava em Buffalo Springs. Ou melhor, nós ansiávamos muito por ele. Atravessamos uma pequena ponte sobre o rio Ewaso Ngiro quando cruzamos com um enorme bando de barulhentos babuínos. Mais adiante, na margem de um de seus meandros, estacionamos para apreciar o primeiro pôr do Sol africano e alguns marabus. O rio fluia através de bosques das palmeiras duplas e de densas florestas ribeirinhas, apoiando uma população significativa de crocodilos e hipopótamos do Nilo, que no entanto não avistamos, pois àquela altura, no fundo do leito estava praticamente seco, repleto de pássaros em busca de alimentos e refresco no singelo filete de água. O astro rei pô-se no horizente às 18:45, momento em que minutos depois religaram-se os motores e seguimos para o lodge.

O Samburo Simba Lodge – Longe, distante, ermo

Uns oito empregados esperavam enfileirados os novos hóspedes descerem dos jipes.  Pegaram nossas malas e as agruparam esperando que as identificássemos para levá-las às habitações. Depois do check-in, ouvimos a gerente da Recepção passar o briefing do lodge ao grupo.

Fechem as janelas e portas. Cuidado com os babuínos, disse ela, a parte que me recordo da extensa lista de horários e funcionamento do lugar.

Superar expectativas é sempre positivo, e com a hospedagem não foi o contrário. A habitação era espaçosa, com cama king size, banheiro confortável, chuveiro mediano e ótima vista da varanda. Não havia tempo a perder: era preciso tomar banho, trocar de roupa e sentar à mesa à hora marcada para o jantar. A noite ali foi agradável, tanto pela refeição quanto pelo compartilhamento numa só mesa com todos e boas conversamos, pelo vinho mediano bem sorvido e pelo cansaço que me fez dormir o sono justo de um safarista entusiasmado. Agora era tempo de recuperar-me.

Eu estava pronto para ouvir o silêncio lá de fora.

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Até o próximo capítulo: “Um dia inteiro de safari em Samburu e Buffalo Springs

* Nota: Márcio Lisa, da Photo Safari Expedições, criou, desenvolveu e nos acompanhou durante a jornada. https://photosafari.com.br/

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