Quênia e Tanzânia – dia de estrada, tarde de safari

Piano Sonata – Mozart

As Reservas dos Lagos Nakuru e Naivasha

O cheiro inesquecível da savana me desperta. Adormeci bem, sem tormento ou contratempo, sem sonhos a me perturbarem. Noite passada lenta e sem ruídos e, ao despertar, um novo homem se levanta crendo não haver forma melhor de amanhecer numa viagem tão intensa.

Então, Bom dia! Ensolarado e com novos destinos e expectativas. O Sol mal despontara e nós já estávamos a caminho do desjejum.

Adeus Samburu, e obrigado por nos proporcionar uma introdução impecável às savanas do Quênia, uma natureza onde o homem é secundário, senão os animais protagonistas, apesar de alguns não terem feito questão de aparecer. E a paisagem era de dominar os olhos e ouvidos.

Para alguns, também, alojou-se nos corações e mentes aquele lugar dos mais isolados, onde turistas há, mas não muitos, tanto que bastam uns quilômetros adentro das reservas para pensarmos que ela nos é exclusiva.

A “família” pouco a pouco vai se juntando com sorrisos e cumprimentos. Viagens têm seus efeitos, sobretudo quando para lugares onde se encontram costumes, regras, culturas e sociedades tão diferentes das nossas. Entre as mais notáveis, conhecer pessoas, que embora permaneçam por lá onde as encontramos, quando retornamos, por vezes nos acompanham para o resto da vida.

Eu refletia que nunca havia experimentado encontrar gente tão bacana de meu próprio país numa viagem em grupo. Sorte a minha. Todos chegam às 7:30, hora marcada, com o dia já a pleno Sol. Os dias em safaris começam cedo, com despertar às seis da manhã e saída uma hora e pouco mais depois.

– Jambo, diz Oburu em swahili, com seu vozeirão de radialista, tamanho de Schwarzenegger, sorriso extenso como o Quênia. Fica ali de pé, com as mãos sobre os quadris, dentes à mostra e faz sinal de “V” enquanto me aproximo. Depois, me estende a mão. O olhar não é novo, de todos os dias, embora naquela manhã tenha me parecido ainda mais acolhedor.

– Jambo, retribuo. Estamos prontos, dear friend!

Jipes estacionados defronte ao lodge, logo carregaram-se com nossa bagagem, água e petiscos. Nos metemos neles, também. E seguimos. Comigo, nenhum receio do que encontrar nos Lagos Nakuru e Naivasha, pois a viagem vinha crescendo em realidade e superando expectativas.

Depois de dois dias fabulosos em Samburu e Buffalo Springs, com avistamento de zebras, elefantes, girafas, leoas, javalis africanos, impalas, pássaros, partimos para novos destinos, que antes foram-nos apresentados por Márcio no briefing da noite anterior:

O Lago Nakuru abriga enorme população de flamingos, mas também das girafas Rothschild, de rinocerontes pretos e brancos, bem como de búfalos e diversos outros animais. No caminho, faremos uma parada para conhecer a cachoeira de Nyahururu e, no final da tarde, já no destino, faremos um safari em Nakuru até o pôr do Sol, que lá promete!  Em seguida, faremos nosso check-in no Lake Nakuru Lodge. Ah, o almoço será um “Lunch Box”.

“Puxa! Rinocerontes brancos e negros!”, penso eu no privilégio de avistar aqueles raros animais. Não era pouco o que nos esperava. O Parque Nacional Nakuru, mais famoso pelas colônias de flamingos habitando as margens do lago, é um dos três mais visitados do Quênia, reconhecido como excepcional centro de observação de aves – mais de 400 espécies -, entre elas a águia africana, para além de habitat de leões, impalas e muitos outros animais. 400 espécies!

Dali ao destino, 310 km de frutas e legumes à beira da estrada, de plantios organizados, de savanas, lugarejos, vilas e cidades. Saímos pelo Arche’s Gate, aquele da Elsa, e logo tomamos a rodovia A2, a Nyeri – Nanyuki Road.  

Para além das enormes possibilidades de um safari _____________

O itinerário não era apenas o deslocamento, uma viagem longa de carro, senão também observar e me tocar com pequenas cabanas sem eletricidade, água corrente e saneamento, crianças descalças carregando reservatórios de água, a difícil vida diária das pessoas no Quênia. Sobretudo porque aparentemente encontraram seu modo de felicidade com tão pouco, apesar da luta pela sobrevivência ser, às vezes, comparável às dos animais da savana. Provavelmente, para mim, seria este – ao fim da jornada de 2.000 quilômetros pelos dois países – o maior legado que me deixariam, um benefício adicional da viagem, além dos prazeres dos safaris.

Seu impacto se estendia muito além das belíssimas paisagens, dos encontros com os animais. E as reflexões pessoais, que mexiam comigo durante nossa estada, pareciam favorecer o crescimento pessoal, a sedimentação de valores e a avaliação do quanto certas viagens podem fazer por nós. A reflexão levou-me às palavras de John Steinbeck, o escritor americano: “As pessoas não fazem as viagens, as viagens é que fazem as pessoas.”

O lago Nakuru ______________________________________

A próxima morada, por duas noites, será no Lake Nakuru Lodge. Paramos na altura de Nanyuk para uma vista do Monte Quênia, bem distante e parcialmente encoberto por nuvens. Depois, na cachoeira Nyahururu e, no fim da tarde, um safari de fim de tarde já no caminho do lodge, ao redor do lago com milhares de flamingos e pelicanos, além de uma surpreendente fauna dos animais típicos das savanas do Quênia. Trata-se de uma das melhores reservas para observarmos os rinocerontes negros e brancos, além de manadas de búfalos, felinos, grande variedade de aves e muito mais.

Fizemos um stop no Mountain View Curio Shop, em Nanyuk, a 112 quilômetros, para café e banheiros. Algumas fotos e vida que segue.  No quilômetro 138 entramos na Rodovia 85, em Naromoru, e paramos na Equator Curio Shop, a 220 quilômetros, para café, banheiros e comprinhas. Até a Thompson Falls, em Nyahururu, aos 235 quilômetros, estacionamos no Thomsons Falls Lodge, para comer nossos lunch boxes sentados numa mesa no jardim.

Em seguida fomos conhecer a cachoeira. Não eram as “sete quedas” , mas o lugar, interessante e um bom relaxamento antes de prosseguirmos a viagem. Eu e a maioria avistamos do mirante e três ou quatro desceram com uma guia até a base da queda d’água, que tem cerca de 72 m, com água do rio Ewaso Narok, que vem do extremo norte da cordilheira de Aberdare. Da borda do desfiladeiro havia algumas áreas de observação, onde paramos. Também havia dois ou três habitantes locais vestidos com roupas de tribos que insistentemente nos abordavam para uma fotografia deles, por um valor caro que negociado caia à metade. Eles não nos deixavam em paz e perseguiam.

Almoçamos e seguimos para o Lake Nakuru National Park. Restavam, então, apenas 76,1 km, via C83, até o Lake Nakuru Lodge, dentro do pequeno parque. O safari seria no caminho do acesso ao parque até a hospedagem. A tarde ia em meio quando chegamos ao Lanet Gate.

Dali ao lodge seriam mais 15 quilômetros de safari, quase sempre às margens do lago. Entramos e os primeiros animais avistados foram as zebras. Depois babuínos, búfalos e cervos, além dos macacos vervet azuis e antílopes Waterbuck, animais grandes e robustos com orelhas arredondadas, manchas brancas acima dos olhos, nariz, boca e garganta. Os machos têm chifres anelados que podem medir até 100 centímetros de comprimento. Um belo e não muito comum animal.

Um safari moderno começa entrando num jipe, de manhã bem cedo e ao fim da tarde, fotografando e observando os animais, voltando ao lodge para o desjejum às nove, descansando o resto da manhã e parte da tarde para aproveitar a piscina, massagem, uma boa refeição. Às 16 h, o safari noturno começa e vai até o começo da noite. Depois de três dias nisso, voa-se para casa. Nada contra. Fiz dois e gostei muito. Mas o nosso foram dez dias “fora do caminho batido”, das oito da manhã às cinco da tarde e por tudo o que há de melhor no Quênia e Tanzânia.

Lake Nakuru Lodge – Um pôr do Sol para não esquecer ______________

A luz que brilha ali parece mais clara, maior. E o céu, de ver estrelas, constelações inteiras. O Animal Planet desfilava à minha frente, na linha do horizonte de nossa varanda. Numa trilha, em fila indiana, uma manada de búfalos seguia, com adultos e jovens, consagrando-se numa das típicas e mais belas paisagens que a África me proporcionou nesta viagem.

Trouxe muitas destas comigo de volta à casa – na memória e na câmera -, mas nenhuma de superar a majestosa beleza do pôr do sol no Lago Nakuru.

________________

A seguir

As águias pescadoras do Lago Naivasha e um Safari a pé na Crescent Island.

Quênia e Tanzânia –  Sobre homens e animais  

A Map of the World – Pat Metheny

A visita à aldeia Samburu e a exploração da reserva Buffalo Springs

Elas estavam ali, logo atrás da cortina que escondia a grande varanda. Faziam uma algazarra dos deuses, típica das andorinhas. Um estardalhaço. A sinfonia dos animados passarinhos acordou-me pouco antes do despertador. E lembro-me bem da escuridão no quarto, do momento em que o Sol ainda não despontou, mas já se anuncia. Minha visão levou segundos para adaptar-se à ínfima luz que passava por uma fresta. Eu percebia a tênue e morna claridade tentando entrar no quarto. E eu ainda não avistava, mas podia sentir a natureza selvagem da reserva Buffalo Springs. Pujante, absoluta, potente, nua e crua. Não sei dizer se eram meus olhos, se outros o sentiam, mas as cores da savana pareciam mais exuberantes, o céu mais azul, embora nem tanto o verde, que por aqui andava seco de dar dó.

Levantei-me. Não com a presteza que me caracteriza, mas com cautela. E como uma hiena solitária, decidida, mas sorrateira, com cuidado para não tropeçar no ambiente desconhecido, cheguei à presa, a porta da varanda. Pole pole!, como dizem em swahili – devagar, devagar! Assim entrou a paisagem no quarto e em mim, mas junto com ela um frio de bater no peito, como todas as manhãs experimentei naquele lado do mundo.

Embrulhei-me com a cortina e observei a paisagem apenas o rosto em exposição. A savana estava ali, embora não tão bela quanto ao calor do dia raiado, embora tudo o que eu visse fosse bonito. O alvorecer se anunciava com toda a sua beleza e magnitude, pureza e encantamento, proporcionava sensações, mexia com sentimentos. Mas eu não poderia apreciá-lo: não havia tempo a perder com contemplações. Nossos horários eram rígidos e meu senso de pontualidade logo levou-me ao banheiro.

Era nosso segundo dia de safari, embora nossa estreia não tenha sido assim um “dia de safari”, senão o da chegada à Reserva Samburu vindos de Nairobi, seguindo o caminho em seuterritório em direção ao nosso lodge, na vizinha Buffalo Springs, quase à margem do rio Ewaso Ngiro. Que lugar e que chegada!

O turismo, a grande oportunidade

Nossa manhã começou cedo, bem cedo, como de costume. Às sete e meia já estávamos dentro de nossos jipes levantando poeira a caminho de uma aldeia do povo Samburu, visita que daria um significado todo especial, humano, àquela viagem quase toda dedicada ao encontro com os animais selvagens e a natureza das savanas, das magníficas reservas do Quênia e da Tanzânia.

Lembrem-se de usarem máscaras, nos relembrou Márcio. São para preservar os samburu, não a nós. Daquele modo estaríamos ajudando a manter vivos os séculos de cultura de um povo guerreiro por história e pecuarista por tradição. Seminômades, alimentam-se de leite e de sangue das vacas no dia a dia, mais carne, embora ocasionalmente, e de legumes e tubérculos. São “primos” dos  Maasai, pois têm a mesma origem, mais ao Norte do continente, para os lados do Egito e Sudão e às margens do Nilo. Embora carreguem traços comuns, inclusive o idioma, têm lá suas diferenças.

Entramos num mundo quase de fantasia, que muitos surpreendem-se ainda existir de gente que custamos a crer conseguirem sobreviver em condições tão adversas e com tão pouco.  Vivem em pequenas aldeias de chão de terra, em simplíssimas casas de tijolos e ainda mais primitivas de barro. O chefe da tribo, fluente em inglês, nos recebe e coordena a visita à tribo e nos explica que ao final poderemos comprar o artesanato feito exclusivamente pelas mulheres. Nos mostraram como fazem fogo, alguns costumes, suas moradias e um grupo de crianças da escolinha local.

Doa-se dinheiro em espécie para a tribo e não há mesmo outro jeito de sobreviverem, sobretudo na época da seca, do que sem a ajuda do turismo. Sinto uma sensação de conforto em poder contribuir com a aldeia e reforço meu sentimento de um pouco de humanidade à nossa visita, algo que eu não imaginava experimentar antes da viagem, porque eu fora ali com uma ideia de que veríamos algo que o turismo subtraiu em originalidade.

O turismo é uma via de mão dupla, pode arrasar a personalidade e originalidade de lugares e culturas – com o de massa e o predatório – mas também favorecer a manutenção de povos e de animais, neste caso, com o turismo responsável e sustentável. seja pelas ações de doações de visitantes.

Seguimos nossa tarde de visita à reserva de Buffalo Springs, até chegarmos ao Uaso Bridge Gate, ou Portão da Ponte Uaso, ornado com uma bela pintura de pele de girafa e relativamente próximo ao Samburu Simba Lodge, onde nos hospedamos. Aproveitamos a não desperdiçável oportunidade de uso dos banheiros, ainda que tão precários. Revejo a placa homenageando a leoa Elsa, vista antes no outro acesso, o Arche’s Gate, observei os curiosos e interessantes ninhos presos ao teto do portão, de passarinhos que pareciam graciosas, animadas e barulhentas andorinhas.

Àquela altura eu ainda não sabia, mas aquele lugar seria marcante, dominaria meu pensamento toda vez que eu me lembrasse do Quênia. A partir dali, precisamente, estaria comigo para sempre, não só por todo aquele dia, por toda a vida. No meu imaginário não poderia supor que aquela experiência que ali começava, com nossa tão aguardada aventura de observação da vida selvagem, seria também uma jornada emocional. Claro que sobretudo pelo destino, pelas experiências, pelo aprendizado, mas muito também pelo grupo de pessoas que se integraram, se divertiram e tornaram tudo mais brilhante. Alternávamos os jipes todos os dias e os passageiros, o que possibilitou o aperfeiçoamento da integração, já que não se daria apenas nas refeições.

Passadas poucas horas depois da visita à aldeia samburu eu não imaginara presenciar tantos animais. As reservas são relativamente pequenas e pouco conhecidas, embora com abundância de vida selvagem e mas a pouca frequência humana possibilitam experiências muito mais exclusivas do que aquelas experimentadas nos grandes parques como Masai Mara e Serengueti ou Ngorongoro, o que torna ambas as reservas reconhecidas como entre os melhores safáris no norte do Quênia.

Avistamos zebras de grevy, girafas reticuladas, gazelas, antílopes, avestruzes somali, elefantes, entre outros animais.

Próximo capítulo – Lagos Nakutu e Naivasha

Quênia e Tanzânia – Samburu, A chegada!

The Bat, de Pat Metheny Group. Álbum Offramp – Grammy de 1982

A História de Elsa

Uma placa entalhada em madeira, um nome feminino em destaque. Pregada a uma parede do Archer’s post gate – um dos portais da reserva, ornado à pele de zebra – chamou-me a atenção. Dizia: “Em memória de Elsa, que ajudou a salvaguardar esta reserva de caça”.

Mais do que atrair, a placa levou-me anos atrás no tempo, com a surpresa do inesperado. Embora nenhuma outra referência houvesse, imaginei tratar-se da jovem leoa, cria órfã adotada como animal de estimação pelo guarda florestal George Adamson e sua esposa Joy, ativistas africanos da vida selvagem e conservacionistas nos anos 50. Não podia haver outra Elsa. Tem que ser esta!, pensei entre surpreso e encantado com o “encontro”.

Eu estava na casa de Elsa, da leoa que fez grande história no Quênia, na África e no mundo. Contada num livro que vendeu 5 milhões de exemplares, e mais tarde no filme Born Free – ou A História de Elsa – conta a vida da leoa criada como membro da família, que se recusou a mandá-la a um zoológico, destino de suas duas irmãs, ao resgatá-la de uma leoa recém abatida. Ainda que um animal de estimação, criaram-na para sobreviver na natureza.

“Nascida livre, tão livre como o vento sopra, tão livre como a grama cresce, livre para seguir seu coração” dizia a letra da bonita canção tema de Elsa no filme, cuja trilha sonora foi composta por John Barry. Vencedor de um Óscar, em 1966, época de minha adolescência, o filme ajudou a consolidar de vez meu desejo de conhecer esta parte da África. Era admirável que Elsa ainda estivesse tão fresca em minha memória, que tão inesperada quanto surpreendentemente tivéssemos nos “encontrado” ali…

Quando Elsa tornou-se adulta, os Adamson perceberam que chegara a hora devolvê-la à liberdade, esperando que pudesse sobreviver por sua conta. Tempos depois, a encontram e foram surpreendidos com um acolhimento muito especial. Meu Deus, quantas lembranças me voltaram da mente e, discretamente, me emocionaram.

Uma outra placa, ao lado da de Elsa, homenageia a leoa Kamunyak, que adotou um bezerro de oryx. Pronto! A apresentação da reserva Samburu estava feita, e de modo inesperado e romântico.  

A história inspirou milhares de pessoas a se engajarem na causa da preservação da vida selvagem e pensar que eu estava no território de Elsa foi uma auspiciosa introdução ao Samburu National Park. Hoje, anos depois de Elsa, a presença de leões continua a ser notável na reserva e eu estava certo de que o adoraria.

Para mim, fora uma estupenda graça. E livre, tão livre como o vento sopra, retornei ao tempo presente, com o Quênia vivo nos olhos e os ouvidos despertos por alguém me dizendo discretamente ao pé do ouvido:

Não há água nos banheiros!

A seguir: De Nairobi ao Samburu – Longe, tão longe e distante

Quênia e Tanzânia – Hakuna Matata!

Nairóbi, o começo ________________________________

Waltz For Ruth, de Pat Metheny, álbum Beyond the Missouri Sky (Short Stories), com Charlie Haden

Sei lá por que motivo eles nascem com dentes tão brancos que parecem saídos de uma seção de clareamento. Assim era Vincent – o elegante e simpático queniano que nos recebeu no aeroporto de Nairobi.

– Jambo!, disse ele em swahili e sem economizar sorrisos. Parecia orgulhar-se deles. E nem na simpatia se conteve. Este sentimento de afinidade mágico, que atrai e identifica as pessoas imediatamente, é uma sensação espontânea que levou-me a estabelecer uma certa harmonia com ele. Longe de criar laços de amizade, mas boa, que se repetiria em novos encontros na Capital e no meio da viagem. Logo ali estabeleceu-se o tom do que seria – ainda sem sabermos – a nossa relação com os demais quenianos e tanzanianos que encontraríamos ao longo de toda a jornada.

 Passava das duas da manhã quando pisamos no chão do país das Acácias. Do dia seguinte que saí de casa, às 3 da tarde! O cheiro e a temperatura na madrugada eram frescos, como se o ar da savana estivesse às portas do aeroporto. Embora o avançado da hora, não foi a alegria de em pouco tempo estar com chave do quarto do hotel o que me dominava, senão um grande alívio: ver nossa bagagem alojada e intacta nos três jipes. “Alojada”, aqui, é um eufemismo para atulhada.

No quarto do hotel, a expectativa parecia não me deixar pregar olho, a despeito de poucas horas faltarem para o Sol vir do Japão e nascer na África. Contudo, o tempo de olhos cerrados tentando atrair o sono não foi morto nem perdido, pois deitado no travesseiro do quarto escurecido, ocorreu-me editar na memória as primeiras palavras deste post. Palavras e frases. Também é nessas horas cinzentas que algumas inspirações me ocorrem, transformam pensamentos em escritas criativas. E como sempre, pensadas nos leitores caprichosos que um dia as lerão com cuidado, alguns até com o mesmo que dispensei a elas. As imagino, mas não as escrevo, imerso no meu universo de curtas sentenças e poucas palavras, dado à minha falta de erudição acerca do Quênia e da Tanzânia, por suposto. Foram bem cuidadas, contudo. Um caminho que julgo indispensável para não escrever besteiras. E foi com elas que o sono me pegou.

Logo partiríamos rumo às reservas de Samburu e Buffalo Springs, sete horas de viagem de Nairobi ao destino, 304 km metidos num jipe, sem conforto, mas carregando um grupo que conectara-se tão bem desde o primeiro instante que tudo converteu-se em satisfação. Com paradas pelo meio para comida e outras necessidades, os doze brasileiros de São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Minas Gerais, Pará, Distrito Federal e Rio de Janeiro, liderados pelo paulistano Marcio Lisa – às nove da manhã, respeitando o briefing, reuniu-se no desjejum à espera da hora de sairmos para resolvermos questões práticas, como troca de moeda, compra de petiscos para a viagem, garrafas de vinho sul-africano e coisas pessoais de cada um. Dormimos mais uma noite, entramos no fuso horário e a partir da manhã seguinte entramos em nossos três Land Cruisers, veículos que por 16 dias seriam nossos cárceres privados. A capital foi abandonada para seguirmos o roteiro em direção ao norte do país.

Os carros, 4×4, estilo safári, onipresentes na África subsaariana, têm três sequências de bancos, teto retrátil, cooler e um garrafão de água mineral com bomba para enchermos nossas garrafinhas. Alternávamos entre nós os lugares, e embora neste trecho a maioria das estradas fossem de asfalto, para mim, a sensação logo convertera-se em desconforto, um anúncio do que seriam os próximos dias percorrendo os parques nacionais e estaduais durante os game rides. Conduzidos pelos melhores motoristas que poderíamos esperar: Wiki, Kaled e Oburu. E ainda não sabíamos o quanto conheciam da fauna e flora de cada um dos parques e reservas por onde passaríamos. Em resumo, a viagem prometia!

Dois mil quilômetros ao todo, muita aventura por um oceano sem limites de pradarias nesse microcosmo da África. Preocupação nenhuma, a não ser o foco no dia, porque há muito o que saborear entre experiências e encontros. Chances de algo dar errado sempre há, nos advertiu o guia. “Como em qualquer viagem, mas nada com que devamos nos preocupar”, concluiu. “Uma atolada aqui, outra ali”, Márcio ia relembrando-se de perrengues passados e nos preparando para o futuro.

A expedição pelo Quênia e Tanzânia partiu então da capital em direção às Reservas de Buffalo e de Samburu, num sábado ensolarado, rumo ao estado de Laikipia, no planalto central do Quênia, cuja paisagem do percurso ia de paisagens de cerrado a pequenos vilarejos com barracas de legumes, frutas e verduras à beira, animais domésticos, gado e gente à beira. Era o país nos sendo apresentado às janelas.

 Chegamos ao Samburu após percorremos alguns poucos quilômetros de estrada de chão batido e poeirento já dentro do parque, até desembarcarmos no simpático Simba Lodge. Tudo o que queríamos era descanso, um banho renovador e uma cama cujo conforto certamente seria uma abundância comparada à dos jipes.

Voltarei para contar.

Mambo jambo!

Clique nas imagens para abrí-las

Quênia e Tanzânia – De volta à África

Fotos Márcio Lisa – https://marciolisa.com/

INTRODUÇÃO

O que têm a ver Henry Mancini, John Wayne, Bert Kaempfert e um hi-fi a válvula com um safári na África? Bem, pelo menos para mim, tudo! Corria o ano de 1962 quando eu era um moleque e nada marcou tanto minha vida àquela altura quanto o filme Hatari! – uma comédia dramática rodada na África pelo diretor Howard Hawks, um notável filme de ação entre as savanas recheadas de animais, ao som de uma espetacular trilha sonora de Henry Mancini. Quem não se lembra do tema O Passo do Elefantinho (Baby Elephant Walk)?

Hatari”, em swahili, significa “perigo”. E perigoso era o trabalho do personagem de John Wayne em busca da captura de animais para mandá-los a zoológicos de todo o mundo. Nada mais politicamente incorreto hoje mas, tinha a Elsa Martinelli…

Então, eis que surgem Bert Kaempfert e Henry Mancini na minha vida. Meu pai era um aficionado por música e, no começo dos anos 60, possuia o que era a última palavra tecnológica em termos de equipamento de som: um amplificador monaural – a válvulas! – e um toca-disco inglês que tinha uma inacreditável agulha de diamante. Tudo montado em um armário tipo cômoda, bem típico daquela época, que ocupava um belo lugar de destaque na sala de visitas. Pois bem. Aos 10 anos de idade eu ficava ali, sentado no chão e com o ouvido bem perto de uma enorme caixa de som que tinha a minha altura, ouvindo jazz e clássicos. Foi quando fui arrebatado, pela segunda vez depois de Hatari!, pelo LP Afrikaan Beat, de Bert Kaempfert. Eu me lembrava de cada cena do filme, numa atmosfera auto-hipnotizante, enquanto a música rodava no prato do toca-discos Garrard. Assim fui apresentado à África e desde então jamais deixei de desejá-la. 

Foi apenas em Março de 2007 que consegui realizar o desejo de ir à África para um safari fotográfico. Mas essa e outra história. A que quero contar agora é de meu retorno à savana africana para avistarmos os big five.

DE VOLTA À ÁFRICA

Todos sabem a importância que dou quando regresso à casa. Mas, depois de uma viagem, ando uns dias sem viajar e pronto, parece que a vida fica insossa. E quase sempre é do mesmo jeito: os dias que antecedem uma nova jornada têm uma certa aura de festa. Ou, como num sonho frequente, quase diário, voltam a inspirar-me os destinos da nova partida.

Mal acabáramos de chegar da Jordânia e Istambul – minha preferida, um dos lugares mágicos que estou sempre a repetir, e se todos temos nossos lugares, Istambul é o meu. Em minha cabeça estava fresca a cidade. Fazia um mês em que estivéramos lá, mas também era o tempo que nos separava da próxima viagem: um Overland pelo Quênia e Tanzânia.

Sei lá o que me alimenta essa fome, mas me apraz senti-la e mais saciá-la. Contudo, não vou me alongar – seja no sentido literal ou poético – a explicar a voracidade. É só mesmo uma ligeireza da minha parte contigo, caro leitor, leitora, ao mencionar que uma viagem é sempre um prazer, embora também tudo o que cabe entre elas o seja. Acho que é o que chamam de ‘pragmatismo poético’ essa minha espécie de jeito de ser. Ou, como a própria vida, as coisas vão se tornando tão mais valiosas e intensas quanto menos tempo nos sobra.

Recordo-me de quando eu era jovem e achava que o tempo era infinito, não fosse ele, de fato, tão efêmero quanto agora o percebo. Tudo isso torna tão ambicioso qualquer planinho meu que converte-se numa empolgação contá-lo, provavelmente porque estou a descontar os instantes perdidos na pandemia, com a imposição do isolamento, da solidão, da falta de abraços e de encontros, de viagens e liberdade. Era tão bom ir vivendo as obrigações da vida e estar vivo que nem nos dávamos conta dessa beleza. Mas foram os limões que a vida nos dá. Alguns fizemos limonada com eles.  

VAMOS DE JIPE!

Três jipes, doze brasileiros, dezessete dias, 2000 quilômetros, uma expedição de observação ao sabor da natureza selvagem, de filmagem e fotografia a bordo de Toyotas Land Cruiser. Os objetivos, a Grande Migração de animais no Serengeti, as Reservas Maasai Mara, a Cratera de Ngorongoro, as reservas de Samburu e Buffalo, o Lake Naivasha e o Lake Nakuru, além dos povos Maasai e Samburu, acompanhados pelo guia e fotógrafo Marcio Lisa – e com nada de melhor poderíamos contar! – durante toda a viagem que começará e terminará em Nairobi, Capital do Quênia. E como a perfeição é a meta, além disso estarei com minha querida, animada, perfeita companheira de aventuras e de vida.

Embora hoje os safaris sejam coisa sem vestígios do charme de Hatari ou de Robert Redford com Meryl Streep, em Out of África, ainda são muito, muito atraentes, surpreendentes, cativantes e encantadores. Paga-se uma boa grana, é verdade, para participar de uma odisseia turística-comercial com um grupo de gente bacana, um pessoal que gosta de bichos e se reúne por horas num jipe, seus cárceres privados por quinze dias. E nem sempre para ver todos os animais que esperava. E, certamente, em alguns locais, mais jipes do que leões, leopardos e chitas. Além do fato de que em algumas dormem-se umas noites em barracas de lona montadas no meio da savana, às vezes com banho externo em chuveiro-balde, cuja água fumegante fora aquecida numa fogueira, contudo em banheiros adequados às mínimas necessidades e tudo muitas vezes iluminados por luzes de parafina, porque não pense que eletricidade há por ali em todo canto. Ao menos não as que chegam por fios.

Eu aceito o que cada viagem me dá, porque são planejadas e conferidas. Aceitar é o que nos torna bons viajantes, afinal. Alguém já disse que apreciar é viver. Mas comparado à “simplicidade” mencionada acima, essa, ao contrário, terá fartura de conforto, de segurança, prazeres, boas surpresas e descobertas. Resumindo, ainda que planejada, terá tudo para ser uma “caixinha de surpresas”.

Não teremos com o que nos preocupar. Os animais não nos caçam, por exemplo. Se a gente não se aventurar para fora do jipe, está bem claro. Para eles somos uma pacata, inofensiva intrusão em bestas de lata verdes ou beges. Contudo, são selvagens. E quase sempre famintos. E nós, vulneráveis, provavelmente saborosos. Então, não esperam que demos sopa na aspereza das savanas. Por ali caçam-nos os homens. Se bem me entendem, os Masai. Vendem pelo triplo do preço seus badulaques. Dizem que mesmo assim valem a pena.

Na cabeça a expectativa que uma viagem não faz caber. Na mala, toda a roupa de safari que ela consegue. Em caquis, cinzas, beijes, brancos e neutros. Mesmo que não haja um código de vestimenta, é sábio misturar-se com o ambiente. Então, cores bege, marrom e verde-oliva são práticas. E as roupas “respiráveis”, confortáveis, fortes e laváveis. Cores brilhantes devem ser evitadas, pois tornam o observador um destaque na vida selvagem. As escuras, como azul e preto, tendem a atrair insetos, sobretudo moscas tsé-tsé. Levo também uma respeitável farmacinha para eventualidades nada eventuais. E meus troços de filmar e fotografar. E já que viemos, vamos com tudo: binóculos, lanternas, baterias extras, cabos, adaptadores, cartões de memória…  

Todo o roteiro será por destinos inéditos para mim, e embora fundamentalmente para avistar bichos, também para conhecer uma quantidade embaraçosa de outras riquezas na forma de paisagens surpreendentemente variadas, para encontrar gente encantadora e interagir (dentro do possível) com suas culturas, entre elas as de duas diferentes etnias, os Samburu – no Quênia – e os Maasai, na Tanzânia.

Voltarei para contar. Em capítulos.

NAMÍBIA – As dunas vermelhas do deserto Namib-Naukluft

Duna 45 (Namib Naukluft Park)
Natureza morta em Sossusvlei, Namib-Naukluft N.P.

Orix blogAs dunas vermelhas do deserto Namib-Naukluft


                     Haroldo fechava as portas do 4×4 e dizia aos participantes: “pronto, agora partimos!”. Então eu apareço, dou uma batidinha na carroceria e pergunto ao amigo, escritor e autor de Luzes da África: “Ainda posso entrar?”. “Sim, claro, temos um último lugar!”, ele responde, o que converteu a grande expectativa num entusiasmo incontrolável. É o que chamo de sorte: era minha a última vaga para o Safari fotográfico na Namíbia, completando, então, o grupo de seis brasileiros (além de Haroldo, e de François, nosso guia-motorista namibiano). Faltava, agora, apenas acertar as coisas. Depois, fazer a mala e pegar a estrada.

                     O roteiro incluía o norte e o sul do país, as sobrenaturais dunas vermelhas de Deadvlei e Sossusvlei – no deserto Namib-Naukluft – as insólitas paisagens da Costa do Esqueleto – no litoral – e o Parque Nacional Etosha, principal atrativo da Namíbia, com sua abundante vida selvagem. O itinerário que Haroldo me enviou estava minuciosamente planejado, tornando o roteiro num enxuto, bem desenhado programa levado a cabo com a ajuda de uma operadora local para a Viajologia Expedições, de Haroldo, que realiza jornadas a destinos exóticos, guiadas por ele para pequenos grupos de brasileiros.

                     Se as viagens já me rondavam desde a infância (ainda que muitas vezes, possíveis apenas na imaginação), só na adolescência me tornei um entusiasta efetivo da fotografia. Revelava e ampliava as minhas em casa, em preto e branco, num laboratório amador que eu e me meu irmão mais velho instalamos no quarto de serviços. Um jurássico ampliador Durst num quarto escuro com luz vermelha, papel fotográfico, bandejas com químicos reveladores e fixadores, varal de secar fotos e tudo mais.

                  Até então, uma viagem à Namíbia não figurava entre as primeiras da minha lista de desejos, mas a propaganda de Haroldo era muito atraente, e circunstâncias pessoais me levaram a consultá-lo. Sua resposta positiva e a necessidade de corrermos para viabilizar na prática a viagem, tornou tudo ainda mais estimulante. Passei a só pensar no país, então inédito para mim, o de número 62 em meu currículo, na grande oportunidade de aprendizado fotográfico, histórico, cultural, geográfico, da vida selvagem e  do meio ambiente daquela região africana.

                 Sobre Haroldo Castro, dizem os que viajaram com ele, “está sempre a sugerir e pronto a ensinar os amantes da fotografia, técnicas e enquadramentos, sem contudo impedir a criatividade de cada um. E que fica feliz quando acertam uma foto”.

_NIK1799
Márcia, Graziela, Pedro, Gabriel, Haroldo, Rogério e eu

                    Nos dias que antecederam nossa partida mergulhei no itinerário e conheci um pouco do país que pertenceu à África do Sul e foi colonizado por alemães, o que explica – além da ótima qualidade da cerveja – o motivo de tudo funcionar como um relógio e ser tão bem cuidado e mantido. A população é composta – além, principalmente, de europeus e sul-africanos – por vários grupos étnicos, entre eles os herero, os himba, os ovambo, os damara. É a segunda menor densidade demográfica do mundo, depois da Mongólia, o que significa trafegar por centenas de quilômetros cruzando com mais animais do que seres humanos. Algumas das cidades não chegam a ter mais que um posto de gasolina, um mercadinho, uma igreja e um punhado de casas.

Dia 2 De Windhoek a Sesriem (Namib Naukluft Park) 21 Fev 69
Asfalto, quando havia, era impecável

                   Continuo a pesquisa de lugares, nome, acidentes geográficos e atrações que conheceríamos, assim como dos lodges e onde comeríamos. Leio o que posso e concluo que a Namíbia era muito mais desconhecida para mim do que de fato eu imaginava. Como pude esperar tanto?

                    Sobre o mapa, viajo na imensidão da África subsaariana, uma paisagem de savanas, de rios efêmeros e de inesperadas dunas em tons alaranjados, a maior delas, com 350m de altura, paisagens de um país com 300 dias de sol por ano.

                   Recebo uma nova circular, na qual Haroldo apresentava os participantes, os conectava entre si e recomendava o que levarmos na bagagem. De roupas a objetos pessoais, de equipamentos fotográficos a remédios, tudo mastigadinho e bem detalhado, para que não nos faltasse durante a viagem. Ao final, sugeria: “Levem uma lanterna!”. Me esperavam, ainda, quinze dias para a aventura.


A chegada

                     O piloto anuncia: “Senhores passageiros, são onze horas e em trinta minutos e já iniciamos nosso processo para o pouso no Hosea Kutako International Airport, em Windhoek”. Nosso voo, pela South African Airways vinha da cidade sul-africana, Johannesburgo.

                     Aeroporto é pequeno, desses que a gente desce do avião por uma escada e sai diretamente na pista. Quase já não há desses, então, me senti em terra bem mais cedo do que o costume. O portão de acesso ao terminal é perto, a curta caminhada sob o sol, o que para mim funcionava como impulsionador dos passos, animando a chegada e acelerando a ansiedade. Embora o processo de imigração tenha sido descomplicado, não burocrático, foi um pouco lento. Cerca de meia hora depois de preenchidos os formulários, passamos ao recolhimento da bagagem e, em minutos, éramos recepcionados pela operadora local e conduzidos ao furgão que nos levaria ao hotel.  A pequena capital da Namíbia ficava a longos uns 40 quilômetros e, o hotel, eu sua avenida principal.

                   Uma hora depois do check-in saímos para o pequeno centro comercial adjacente ao hotel, que nos recomendara Haroldo, onde havia uma providencial loja de roupas de safári, uma casa de câmbio para trocarmos dólares americanos por namibianos, indexado ao rand sul-Africano, moeda francamente aceita no país, outra da  MTC, a companhia local de telefonia celular, para comprarmos chips pré-pagos com pacote de dados.  Comemos por ali mesmo, voltamos ao hotel para descansar e dormir cedo, pois haveríamos de acordar cedo para assim começarmos nossa jornada ao sul.  À hora combinada, todos estavam a postos e bem dispostos para o desjejum e para a estrada à cidade de Sesriem, 320 quilômetros depois, com muitas paradas para fotografias. O grupo já estava bem integrado e ninguém se atrasou.

                     O inglês é idioma oficial, mas falado por apenas 1% da população, que tem nos onze dialetos suas formas de se comunicar no país. O ovambo (Oshiwambo) é uma língua nigero-congolesa pertencente à família das línguas bantu, a mais falada no país, isto é, por cerca de 49% da população. O alemão, português, espanhol e o francês também são oficiais, mas para pequenos grupos.


Da capital –  Windhoek – a Sesriem

                    Com a manhã luminosa, nosso primeiro dia de estrada começa cedo. François chega na direção do jipe, para diante da portaria do hotel e com sorriso amplo e simpatia ainda maior, cativa a todos. Educado e gentil, pega nossa bagagem, a coloca no reboque e nos pede para conferir se deixamos algo para trás. Depois, abre as portas de ambos os lados do veículo e nos ajuda a entrar. Senhoras primeiro. Todos estavam sentados quando, com inglês impecável e voz de locutor, ele se apresenta: “Good morning. My name is François Gowaseb. Pleased to meet you!” Continua e diz ter nascido em Windhoek, onde passou a maior parte de sua infância, mas que desenvolveu sua paixão pela natureza  durante suas férias numa fazenda perto de Otjimbingwe. Mais tarde, estudou viagens e turismo no Illiongwe College e, após sua graduação, decidiu se especializar como guia, tendo recebido seu certificado de nível superior, com o qual se qualificou oficialmente como guia nacional da Namíbia.

_NIK2562
François

                Conhecemos também nosso Toyota Landcruiser 4×4. Estalando de novo, cabine estendida, oito lugares (incluindo o motorista), com assentos individuais e janelas para todos, equipado, transformado e adaptado por um fabricante de veículos de safari personalizados na Tanzânia. Tinha ar condicionado, grandes janelas, geladeira, tomadas individuais elétricas e USB, dois tanques de combustível, teto retrátil, sistema de rastreamento por satélite e de comunicação por rádio, reboque para bagagem, compressor para enchimento de pneus e baterias de grande capacidade.

                 Além disso, cada assento havia sido caprichosamente arrumado com um grande mapa, um road atlas, folhetos ilustrativos com os animais e pássaros das regiões que visitaríamos, o Namibian Naturalist’s Guide, um bloco de anotações, o Species checklist – uma lista com os animais – de mamíferos a anfíbios, de répteis a roedores –  que poderíamos ver no país. Lápis para checá-los, o programa e itinerário da viagem e, finalmente, uma garrafa metálica de água, providencialmente personalizada com o nome de cada passageiro, completavam a lista de mimos. Enfim, nosso veículo de safári era confortável e seguro, além de inspirador.

_NIK1779
Fabricado no Japão, personalizado na Tanzânia, rodando na Namíbia

_NIK1849  _NIK1871

             Partimos para nosso destino, a cidade de Sesrien, a 320 km da capital, porta de entrada para o Namib Naukluft National Park, onde veríamos (e subiríamos!) nas dunas de Sossusvlei e Deadvlei. Do total, apenas 100 km seriam por rodovias asfaltadas, o restante por estradas de terra e cascalho, todas, devo dizer, em ótimo estado e continuamente mantidas por máquinas e homens.

Anotem nossa quilometragem: partimos com o odômetro marcando 10.339 km, diz Haroldo. Ao final da viagem devemos contar com mais de 2000 percorridos.

               Seguimos através das montanhas de Khomas Hochland, visíveis já a 50 km de Windhoek, um dos trechos mais cênicos, com vistas para uma vasta planície cortada aqui e ali por leitos de rios secos. Depois descemos uma estradas sinuosa serpenteando uma grande escarpa até chegarmos ao deserto – sublime deserto – que nos acompanharia, dali em diante, nos próximos dias, naquele primeiro até ao Sossus Dune Lodge, onde nos hospedaríamos no início da tarde.

Dia 76 Parque Nacional Etosha 25 Fev77
Zebras no caminho

                   Algumas paradas ocasionais para ver e fotografar animais alongam o tempo da viagem, mas é o que faz a jornada ainda mais atraente. Vimos pela primeira vez o belíssimo órix, (Oryx gazella), antílope símbolo do país, também o primeiro mamífero de nossa lista.  Depois, dezenas de springboks – ou cabras-de-leque – graciosas e pequenas gazelas de pelagem castanha e branca, que sempre andam em bandos, saltam e correm com agilidade e graça, do jeitinho como vemos na TV em documentários da NatGeo. Até chegarmos ao lodge, novas paradas ou reduzidas na velocidade para vermos zebras, warthogs (javalis), babuínos, gnus e roedores. Verifico minha lista de animais e atualizo as anotações.

                    No reino dos pássaros, também muita variedade. Os mais curiosos eram os “tecelões sociáveis”, ou Philetairus socius, construtores de complexos e engenhosos ninhos, minuciosamente tecidos com fios de gramíneas secas abundantes na região, em condomínios com outros indivíduos de suas famílias, presos em galhos de árvores ou postes de eletricidade.

_NIK1807
Da capital –  Windhoek – a Sesriem, a caminho do deserto

                    Depois de muita terra e paradas para fotos, chegamos à porteira do parque, onde alguns quilômetros adiante fica o Sossus Dune Lodge.  O sol entrava na tarde, quando chegamos ao hotel dentro dos limites do Parque Namib-Naukluft, o que permite a quem se hospeda passar a noite, observar as beleza do nascer e do pôr do sol, antes da abertura e depois do fechamento do acesso ao parque, limitado entre 8 da manhã e 6 da noite.  Ter as paisagens acessíveis apenas para nós era um auspicioso sinal do que experimentaríamos durante a hospedagem, um privilégio que eu ainda não podia avaliar, no interior de uma das maiores áreas de conservação da África, com 50.000 km² de planícies desérticas abertas, leitos de rio secos e dunas, um conjunto de paisagens exclusivas do país. A vida selvagem inclui órix, gazelas (springbok), zebra, gnus (wildbeast), entre outros, e grande variedade de aves.

Dia 2 De Windhoek a Sesriem (Namib Naukluft Park) 21 Fev 34
Sossus Dune Lodge, o único hotel dentro dos limites do Parque Namib-Naukluft

                    A chegada foi um alívio, apesar de confortável a viagem. Afinal, o hotel era muito convidativo e o almoço, previsto para ser no trajeto, nos aguardava no restaurante do lodge. O programa previa um irrecusável descanso, uso da piscina de água natural sob o céu do deserto e, ao fim da tarde, uma saída para observação de órixes e observação do pôr do sol. Depois do rápido check-in previamente arrumado, todos queríamos conhecer nossas “cabanas” e tomar um banho refrescante.

                   Do hotel não se pode dizer que esteja localizado em qualquer lugar do deserto, senão aninhado aos pés das montanhas pedregosos e baixas do parque nacional. Os 25 bangalôs têm vista para as planícies e dunas circundantes e foram construídos em forma de aldeia, mas com o cuidado de interferirem minimamente  no meio ambiente.  Seu maior benefício, contudo, é permitir aos hóspedes alcancem Sossusvlei antes do nascer do sol e saiam de lá depois do poente.

A hospedagem dentro do parque é uma novidade para os grupos do Viajologia. Com a experiência anterior, percebi que seria um grande diferencial e uma boa experiência, então, pedi à operadora que analisasse a possibilidade. Ter acesso às atrações entre os horários de fechamento e abertura dos portões também será algo novo nas duas noites ficaremos, informou Haroldo.

               As habitações, apesar de rústicas, são extremamente aconchegantes e confortáveis, conectadas por uma longa passarela de  madeira, construída sobre o chão do deserto pedregoso. Três das paredes do chalé são feitas de lona esticada e moldada por ripas de madeira, enquanto a parede restante é composta por esquadrias de madeira e vidro, do chão ao teto, permitindo que o deserto “entre” no ambiente. Decorados com mobiliário de madeira, havia uma grande cama com dossel, cadeiras de repouso, aparadores, mesinhas de cabeceira, boa iluminação, um frigobar e uma deliciosa, ensolarada varanda.

Dia 2 De Windhoek a Sesriem (Namib Naukluft Park) 21 Fev 42
Rústico, confortável, no meio do deserto

                  Tomo um banho quente, muito quente, não porque gosto, mas por não haver outra opção. Eu já havia tido igual experiência em Dubai, num hotel onde não havia água fria durante o dia, pois a tubulação e a caixa d’água se aqueciam tanto durante o dia, ao sol, só esfriando no meio da noite, o único momento em que o banho era temperado. Também ali, a temperatura ambiente despencava à noite, tornando o clima extremamente agradável, como é comum nos desertos.

                   Resolvo voltar e conhecer a piscina, uma instalação rústica que aproveita bem a atmosfera do sopé da montanha rochosa. Revestida com pedra natural e escura, ela parecia um lago natural. A água, proveniente de uma nascente subterrânea, tinha temperatura extremamente agradável e, junto à piscina, completava a rusticidade um alpendre de bambus, sombreando espreguiçadeiras, um lugar muito agradável e convidativo para o relaxamento.

               Encontro Rogério, Graziella – o encantador casal carioca – e seus ainda mais cativantes filhos – Gabriel e Pedro – com quem eu já havia consolidado forte conexão durante a viagem. Mergulho e aproveito com eles a piscina, a magia do lugar e sinto-me agradavelmente envolvido pela natureza. Ainda havia tempo para uma cerveja antes do almoço, que compartilhamos ali mesmo, dentro da piscina. Geladíssima e saborosa. A tarde nos esperava para um passeio pelo deserto e eventuais encontros com órix e fotografias do poente.

_NIK2202
Gnus no lodge

                    A comida era boa. Não tanto quanto o hotel, sua piscina e a vista, mas saciava. Havia opções para o vegetariano – Haroldo – e a vegana do grupo, Márcia. Eu e a família carioca – carnívoros felizes e sem vergonha – comemos frango, a única opção que havia. Retornamos ao chalé e partimos às cinco da tarde para o deserto.


A Duna 45 e o Mar de areia

Namib, na língua nama, significa “lugar grande”, explica François. E Sossusvlei, no dialeto local, derivado o afrikaaner, significa “pântano sem retorno”.

                    – Este é um dos maiores e mais antigos desertos do mundo, completa Haroldo.

                    A descrição é apropriada, mas não é o tamanho do Deserto da Namíbia que me impressiona, senão seu relevo, solo, as dunas de areia sahariana e a estrada de asfalto tão negro e limpo que parece ter sido feita no dia. Impecável, é um risco negro contrastante com a paisagem em tons que vão a do avermelhado ao cinza do arrebatador deserto. Denominado “Mar de Areia”, vai até o mar, na costa árida africana do Atlântico Sul, abrangendo uma área de 3.077.700 hectares. Engloba uma variedade diversificada de grandes dunas que mudam o formato e se deslocam com o vento. As consequências consagram-se num exemplo notável de cenários geomorfológicos e ecológicos evolutivos, cujo vento interage com a geologia e a biologia, proporcionando além de beleza natural, condições atmosféricas que favorecem uma visibilidade excepcional de um bioma sem similar no mundo, listado na UNESCO.

_NIK2435a
Subindo a Duna 45

Grande parte do deserto é protegida pelo Parque Nacional Namib-Naukluft. Algumas áreas são inacessíveis e outras podem ser visitadas, incluindo o Canyon de Sesriem e Deadvlei, que veremos amanhã antes do sol nascer, informa Haroldo.

                    A luz da tarde começava a incidir de tal modo que tornava a paisagem ainda mais quente, ressaltando o alaranjado queimado da duna, coloração natural decorrente da grande porcentagem de ferro oxidado que compõe sua areia. O jipe saiu do asfalto e entrou na areia, o que embora não chegasse a ser um off-road pleno, dava uma amostra do que teríamos no dia seguinte. Paramos na Duna 45, que está a 45 km de Sesriem e a 15 km do final da estrada de asfalto, algo como a uns 19 km de Sossusvlei. Não era uma duna qualquer, senão uma mais belas do país.

                    Minha primeira impressão foi a de que não conseguiria subir ao topo da duna, mas tenho algum tempo para me preocupar com o preparo físico: Haroldo nos leva para um lugar onde o cenário era apropriado para uma curta aula de fotografia em campo. Aos pés da duna, árvores secas contrastavam com o céu e a areia, e nos sugeriam diferentes opções de enquadramento.

Este é um cenário semelhante ao que veremos amanhã antes do nascer do sol em Deadvlei. E aqui poderemos treinar algumas tomadas, diz Haroldo.

_NIK2384

                Cada um faz suas fotos e mostra o resultado para o mestre, recebe novas dicas de enquadramento e volta a campo. Resolvo me concentrar nos detalhes, nas texturas, aproximando o zoom das superfícies das árvores e do solo, vendo pedras fotogênicas e curiosas, sobre a areia do deserto, seixos rolados que um dia estiveram sob a água de um rio, sabe-se lá há quantos séculos.

_NIK2464

                    Caminho em direção à base da duna e olho para o topo. “Vai ser uma parada dura”, penso.  Começo a escalar devagar. Dois passos à frente, três para trás. Passam por mim, correndo, Gabriel e Pedro. Invejo sua rapidez e disposição, mas continuo no meu ritmo. Paro para fotografar e todos passam por mim. Vejo duas chinesas descendo e, quando cruzo com elas, pergunto ofegante: “Vale a pena o topo?”. Não entendo o que respondem e, creio, também não o que perguntei. Subo mais um pouco, no mesmo ritmo, dois pra lá, três pra cá. Não estou cansado e mas não pretendo ficar. Sento na quina da duna e sinto que há mais grãos de areia em meu tênis do que na duna. Esvazio o calçado e me concentro na vista aérea daquela ângulo da duna, encantado com a luz, as sombras, cores e contrastes. Tudo é tão belo, apesar de deserto, que me pergunto “Como desertos tão áridos podem ser tão bonitos?”.

_NIK2303

                         Ainda que a tarde estivesse ensolarada, não fazia calor, soprava uma brisa agradável que eu sentia beliscar com grãos de areia nas panturrilhas. Resolvo subir a duna preocupado com a proteção da câmera. Aproveito para olhar cuidadosamente a paisagem e observo, já a meio caminho, Haroldo subindo. François arrumava uma mesa junto ao jipe. Consegui ver taças de vinho sendo preparadas e um prato com petiscos.  Satisfeito com os 70% da altura total da duna, onde cheguei, resolvi sentar e apreciar a vista da Duna 45.

                       Inicio a descida e ao chegar ao jipe continuo a caminhada até a estrada de asfalto. Havia dois precários banheiros de madeira usado pelos operários que trabalham na manutenção da estrada. Dali observo que o grupo descia a duna em direção ao jipe, liderados pelos garotos. Embaixo, nos esperava o brinde ao primeiro dia da viagem.

_NIK2535

                      François nos convida formalmente ao brinde enchendo nossas taças. Espera que todos as levantemos e discursa, dando boas-vindas ao grupo e dizendo que estava feliz por renovar seu prazer de dirigir mais um grupo de brasileiros guiados por Haroldo.

Okuhepa ngandi!, diz ele em herero, a lingua bantu, uma das faladas na Namíbia. Assim brindamos, bebemos, comemos frutas secas e castanhas, além de fatias finas de carne seca.

                      Um estorninho pousa no estepe do jipe e olha para nós. Parece esperar que o alimentemos. François percebe meu entusiasmo e diz:

– Este é um pale-winged starlings (estorninho de asas pálidas). Normalmente vivem nas colinas rochosas ou nos vales, mas as cidades os tem atraído, principalmente para procurarem por comida.

                      Agradeço e fotografo o simpático passarinho enquanto Rogério o alimenta com migalhas de biscoito salgado.

_NIK2549

                      Entramos no Toyota e seguimos para dunas próximas, em direção ao lodge, lugar onde ficaríamos até o por do sol. François estaciona o jipe e cada um toma direção diferente. Entro nos caminhos entre as pequenas dunas e exploro o terreno sozinho,  com vegetação rasteira, onde, segundo consta, é comum haver órix pastanto. O belíssimo animal com manchas brancas e pretas, tem na cabeça chifres imensos e esguios que chegam a 1,3 metro de comprimento. São verdadeiras lanças perfurantes, usadas para defesa e ataque. Penso que deva ser um animal perigoso, que pode matar um homem com facilidade. Todavia, os que encontrei pareciam ter mais medo de nós que o contrário.

_NIK4454
O órix e eu: olhares desconfiados

               Caminho  entre as pequenas dunas labirínticas, me distancio do grupo pensando em  ir ao “banheiro”. Me deparo com um órix pastando e sinto um arrepio, não sei se de medo ou emoção. Permaneço parado olhando fixamente para o animal. Ele faz o mesmo comigo, provavelmente estudando as possibilidades de ser atacado. Quando abaixa a cabeça e volta a comer, disparo repetidamente a câmera e o ruído o incomoda. Resolve partir e rapidamente some atrás das dunas. Saio feliz com o encontro, por ter chegado tão perto daquele belo animal. Começo a voltar ao jipe já quase me esquecendo do que havia ido ali fazer.

_NIK2577
Esperando o poente


Olhar o céu e dormir ouvindo estrelas

                   Retornamos ao Sossus Dune Lodge e jantamos ao ar livre. O céu era claro, mas não um céu comum. Africano, sem nuvens e incrivelmente limpo, luminoso e estrelado. Desses de ver galáxias, com um silêncio ensurdecedor, de “ouvir” estrelas. Cansado, mas feliz com o primeiro surpreendente dia  de viagem, me despeço dos companheiros de jornada e brindo com eles o dia, dando o último gole no delicioso vinho sul africano escolhido por Rogério. Sigo pela passarela até meu chalé, usando pela primeira vez a pequena lanterna que Haroldo sugeriu trazermos. Sua luz parecia mais potente do que aparentava ser, tudo devido à plena escuridão, algo que já não via há anos, me recordando apenas de ter visto algo igual no deserto Atacama, no Chile, anos antes. Caminho ouvindo meus passos, o ranger do piso de madeira e minha respiração. Uma brisa agradável soprava mas, confesso, ter chegado ao chalé 4 foi um alívio, devido à apreensão com o risco de encontrar animais, predadores, chacais e afins.

_NIK2111

                  Entro e vou direto à varanda. Colado na parte interior da porta, presto atenção a um aviso: “ATENÇÃO! Não alimente os babuínos, eles são muito perigosos! Mantenha suas portas e janelas fechadas todo o tempo em que estiver fora!” Sento-me numa das cadeiras e tomo uma garrafa de água mineral pelo gargalo enquanto olho o deserto e o céu.  O ar tinha um frescor e cheiro agradáveis. No firmamento, vejo um céu infinito e a Via Láctea. Percebo minha insignificância, mesmo que diante daquele mínimo pedaço do Universo que eu observava. Vejo uma estrela cadente e penso que presenciar meteoros ardendo em fogo durante sua entrada na atmosfera, deixando o rastro fugaz e lindo que eu pensava existir apenas no cinema.

                  Se até então – apesar de tão pouco percorrido – a Namíbia já me parecera um dos países mais fotogênicos da África, apesar das expectativas não terem sido as melhores antes da partida, eu estava marcado por cenários tão deslumbrantes quanto inesperados e diversos. E naquela varanda, a paisagem absurdamente encantadora, me fazia reconhecer a magia das viagens, o que elas podem proporcionar, os privilégio que nos reservam. Eu queria aproveitar cada minuto como se fosse o último, mas o sono e o cansaço já se anunciavam. Retorno ao interior do chalé e arrumo as roupas para o dia seguinte, enquanto deixo transferindo as fotos para o notebook, carregando as baterias da câmera, antes de me deitar. Tento uma conexão, mas não consigo. Escrevo uma mensagem para a família, um resumo do dia no Whatsapp, mas nem uma foto consigo enviar.

Orix blog


Continuamos juntos? Próximo capítulo:

Deadvlei.  Sob a luz macia do amanhecer, a beleza morta no deserto