ÍNDIA – A Velha Delhi

Acordo mais cedo do que preciso. Desperto sentindo-me como pilha precisando de recarga. O relógio biológico não acompanha meu desejo de entrar no compasso dos 17 milhões de habitantes de Delhi, apesar dos cuidados que tive, o preparo do terreno na noite anterior, quando cerrei as cortinas, eliminei frestas, apaguei vestígios de luz que atrapalhassem a produção de hormônios. Levanto-me como se a cama fosse cativeiro. Vou à janela ver o pedaço de paisagem que me reserva da cidade. Estão acesas as luzes, e assim a poluição atmosférica torna-se ainda mais notável. Vejo-a bem marcada nos rastros alongados e nos halos que se formam ao redor das lâmpadas. A embaçada iluminação multicolorida do Rashtrapati Bhavan – residência oficial do Presidente da Índia – parece borrada. A degradação da qualidade do ar parece ainda mais evidente, contudo, não há jeito senão enfrentá-la, pois o dia será cheio e bem esperado de tarefas turísticas.

Amanhece frio, suponho como o anterior, que foi aquecendo com o sol amável da manhã até eu não mais precisar do agasalho. O frescor do inverno indiano em dezembro é um alento adorável, um incentivo extra à exploração da cidade, especialmente ao me lembrar do quão quente é o verão na Índia. Tomo um banho e tudo fica melhor. Estou quase pronto para Delhi.

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Se o que define uma cidade são arquitetura, arte, tradições, geografia, história, gente e comida, na Velha Delhi há uma interminável possibilidade de experiências em todas estas manifestações. Quando chegarmos à cidade mogol de Sha Jahan, mesmo embora aqui e ali possamos verificar que muito perdeu-se no tempo, ainda encontraremos uma miscelânea fenomenal de coisas e patrimônio da época. O que sobrou é único, e tem distinção excepcional, para além de caráter notável que consagra este pedação da cidade como um patrimônio vivo dos mais preciosos da humanidade. Há mesmo muitos lugares, cantos, monumentos e templos que contam detalhes de uma história rica, por vezes obscura e escondida, é verdade, mas noutras bem iluminada e clara. Um conjunto às vezes confuso de coisas diferentes, de experiências com muitas feições acontecendo intensa e simultaneamente, uma sobrecarga de informação e para os sentidos dos visitantes, que por si já fazem valer toda a viagem.

Começamos pela tranquilidade de Purana Qila – ou Old Fort, onde a história é ainda mais antiga que Shajahanabad, lugar cuja serenidade nos prepara para o enfrentamento do “olho do furacão” que é Chandni Chowk.

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Purana Qila

Apesar de ser um dos locais turísticos mais cativantes de Delhi, é pouquíssimo visitado, o que em se tratando de Índia, tem suas vantagens. Construído entre 1538 e 1545 por Humayun, é mais uma evidência da glória da arte mogol aplicada à arquitetura, em cuja área se destacam três portões majestosos: o Humayun Darwaza, o Bara Darwaza e o Darwaza Talaqi, todos em arenito vermelho e, dentro do forte, a belíssima mesquita Qila-I-Kuhna e o pavilhão Sher Mandal, construído para fins de entretenimento do xá. A mesquita é a mais bonita da cidade, e ainda que não tenha a imponência e a grandiosidade da Mesquita Jama, na cidade velha, é bem mais ornamentada e absolutamente vazia de gente.

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Deixando para trás os motoristas buzinando loucamente, aparentemente sem sentido, ao entrarmos na quietude do parque de Purana Qila, ou Old Fort, percebemos que além de um lugar magnífico, é um oásis bom para se fugir quando Delhi já estiver saturando com toda sua intensidade penetrante. Apesar das dimensões da área, vimos apenas um jovem casal ocupado com o namoro e dois funcionários.

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A mesquita Qila-i-Kuhna, Purana Qila

Da bela fortaleza pouco resta além de ruínas, embora o portal Talaqi Darwaza, que leva ao imenso parque interno, nos faça pensar o contrário, devido à sua perfeita integridade, a despeito da idade. O Sher Mandal, observatório e biblioteca de Humayun, de onde ele caiu do segundo andar e morreu, e Qila-i-Kuhna, a mesquita de arenito vermelho com incrustações de mármore branco e preto, apesar de únicas construções remanescentes, são singelos mas ótimos exemplos de arquitetura. O primeiro é um edifício octogonal de arenito vermelho com dois andares, cuja escadaria íngreme leva ao telhado, encimado por um chatri octogonal apoiado por oito pilares. Ainda se podem ver de fora os restos do trabalho de gesso decorativo e vestígios de prateleiras de pedra onde, presumivelmente, os livros do imperador eram guardados.

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O segundo foi construído por Sher Shah, é uma grande mesquita de um único corredor, um dos primeiros exemplos do uso extensivo do arco aguçado, que lembra o gótico, na região. O interior é ricamente decorado com elementos islâmicos e o prédio figura entre os experts como um marco de transição do estilo Lhodi – mais discreto e contido – para o mogol, mais grandioso e imponente. A fachada frontal tem desenho e decoração notáveis e o interior é surpreendente, com um iwan marmorizado, arcos, saliências no teto, abóbodas, colunas e arcos.

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