
Palavras funcionam, embora às vezes não tanto quanto as imagens. É claro que as primeiras dependem do poder e da arte de quem as escreve, mas embora sejam a matéria prima deste blog, são as segundas que tornam mais efetiva minha intenção de cativar o leitor, motivo pelo qual recorro aos filmes e às fotografias, bem mais do que de fato eu precisaria se tivesse pleno domínio da escrita. Sem as imagens eu não iria tão longe na intenção de mostrar ao leitor o que vi e senti, e embora histórias bem narradas tenham grande valor, por vezes, quando ilustradas, ficam ainda melhores.
De todo modo, qualquer viagem, mesmo escrita por um mestre, perde muito do seu encanto aos olhos de quem a viveu. É possível, com palavras, descrevermos o que vimos e sentimos, mas não creio ser possível fazer alguém chegar a sentir a mesma emoção, causar-lhe o mesmo arrepio e as venturas e desventuras de quem as experimentou. Escrevo sempre com o melhor de mim, não apenas por respeito ao leitor, também por gosto, contudo sem jamais acreditar ser possível fazê-lo vivenciar o mesmo que trago guardado em minha cabeça. Mas ah, como eu adoraria ter o poder fazer isso!
Estávamos em Agra, numa rua a caminho de uma atração secundária, desviando de vacas sagradas, de tuc-tucs apinhados, de bicicletas lentas e respirando ar poluído. Vivendo, enfim, o caos indiano organizado e com sentido, aquela mais absoluta loucura asiática, coisas que só acontecem na Índia que a tornam tão única e peculiar e a convertem numa preciosidade. Desfrutávamos com toda intensidade o momento, e não apenas porque nos agradavam soberbamente suas atrações monumentais, sua arquitetura sublime, seus templos encantadores, palácios e fortalezas notáveis, mas as pessoas e as experiências que essas particularidades nos possibilitavam viver.

Creio que será assim agora, ao tentar descrever minha primeira impressão à vista daquele mausoléu. Seguramente ele seria, em qualquer lugar do mundo, um monumento espetacular, mas ali, situado próximo ao Taj Mahal e ao Forte Vermelho de Agra, tornou-se, inexoravelmente, deles uma eterna sombra.

Não houve empatia nem emoção. Pareceu-me mesmo atarracado, embora luxuoso, um caixote de mármore feito para abrigar algumas tumbas, sem lá muito apreço pelo desenho, embora tanto pela ornamentação. Mas bastou aproximar-me dele para que a crueza do olhar imediato fosse compensada pela atenção de um mais cuidadoso. E era este intencional, que sob silêncio, tornava o objeto observado mais invasivo ao observador. Parado diante de alguns detalhes, como se estivesse acomodando minha visão, lembrei-me de meu prazer de olhar assim, com mais presteza.

Recordo-me até de quando senti-me impulsionado a observar as coisas de tal jeito: foi com a releitura – anos depois da publicação – de uma crônica de Otto Lara Resende – “Vista Cansada” – publicada no jornal Folha de São Paulo em 23 de fevereiro de 1992, em que dizia “…de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo…”. Mais tarde, confirmei a simpatia pelo jeito de olhar com o poeta inglês William Blake, quando em algum lugar afirmou que “Se as portas da percepção estiverem limpas, tudo parecerá ao homem como de fato é…”.
Desde então, tornou-se um exemplo a imitar, o qual tenho me tornado assíduo na prática, evitando os descuidados, para os quais tornei-me vacinado.
Pois bem. Não tem aquele mausoléu – sob qualquer ponto-de-vista – a grandiosidade das obras da Índia mogol que até então havíamos visitado. E isto não o deixaria menor, não fosse a proximidade aos seus irmão gigantes. Contudo, conhecida sua história, observados seus detalhes, torna-se ele um estímulo à exploração mais cuidadosa. Com um olhar mais demorado o observador percebe uma beleza menos ostensiva, então discreta e delicada. E nem tanto pelo desenho, mas pela ornamentação. De tal maneira que a Tumba de I’timād-ud-Daulah – uma atração quase secundária em Agra – torna-se de tal modo, uma curta e agradável visita para qualquer visitante, mesmo o não apreciador da arquitetura mogol.

A “caixa de joias” – como costumam descrevê-la – não tem a glória, o romantismo e talvez nem o amor que inspirou a construção do Taj Mahal. Mas sabendo-se que foi nela que inspirou-se o projetista para desenhar aquele, o símbolo do amor eterno – o Taj, que mais tarde consagrou-se como obra prima da humanidade e uma de suas maravilhas da humanidade – esta pequena caixa toma outro valor.

À beira do rio Yamuna, construído entre 1622 e 1628 num pequeno terreno ladeado por jardins e córregos, muito embora discreta, é obra de grande importância arquitetônica, já que marca a transição entre a primeira fase da arquitetura monumental mogol – em arenito vermelho e com decorações em mármore branco e preto – e sua segunda fase, esta a qual me refiro. Além do mais, foi o primeiro monumento construído inteiramente em mármore branco na Índia, com o qual inaugurou-se o ciclo de construções monumentais baseadas naquele material e também o emprego da técnica de ornamentação denominada pietra dura, usada no Taj Mahal, aquele trabalho magnífico, de inspiração italiana, que consiste na incrustação de pedras semi-preciosas na pedra branca polida.

Sobre uma plataforma de arenito, ele tem este trabalho nos quatro lados e ornamentações islâmicas admiráveis, que muitas vezes atenuam a por vezes severa demais simetria do “caixote”, o que lhe confere grande personalidade, além de beleza e uma aparência muito peculiar.

A entrada para o jardim é feita cruzando-se um portal de arenito vermelho, da fase anterior, de frente para o rio Yamuna. Logo depois o túmulo aparece e domina a paisagem, tirando do visitante toda a sua atenção. Ao aproximar-se, este perceberá que cada milímetro do mármore foi decorado com as incrustações em topázio, lápis-lazúli e ônix, entre outras, cujos motivos ornamentais de origem persa, representam ciprestes, taças de vinho, frutas e vasos de flores, até os afrescos ainda relativamente bem visíveis do interior.

Uma caminhada pelo complexo revela ainda outras pequenas dependências, um jardim e canais de água e a ausência de turistas, algo que me surpreendeu, tal a importância da obra. Ao chegar à margem do Yamuna avistei uma Agra diferente da que até então visitáramos: altas chaminés de tijolos de indústrias hoje desativadas, outrora poluentes, e do rio seco e assoreado, provavelmente também poluído. Foi uma breve visita, contudo da qual trouxemos agradáveis lembranças.
Um texto que recorda e afaga o leitor, sobre um daqueles lugares de sonho. Certamente, a Agra dos meus sonhos tem muito do que está tão fielmente descrito aqui. Obrigado, mais uma vez, pela oportunidade de dividir isso conosco.
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